terça-feira, 17 de maio de 2016

Mesa cereja - um pouquinho torta

O passo seguinte na confeccao da mesa cereja, claro, era fixar a prancha de cedro com bordos naturais aos pes. O problema aqui era o fato de a prancha nao estar aparelhada, apresentando variacoes em todas as suas dimensoes e, obvio, nenhum lado reto. A solucao indicada pelo meu grande conselheiro foi conseguir uma, pelo menos uma, referencia confiavel, e a referencia apontada foi tracar a linha de centro da prancha.

A linha central da prancha marcada em ambas as faces serviu como referencia para fixar uma regua e, usando dois esquadros e um compasso nao foi dificil marcar e entao cortar entalhes esquadrejados onde encaixar e entao fixar com parafusos os pes da mesa `a prancha.

Utilizando grampos para fixar os pes nos seus lugares e niveis para acertar prumo e nivel, depois de aplicar cola PUR nos encaixes mandei ver os oito parafusos. Notei, quando alguns parafusos 'chamaram'— no aperto final, a parafusadeira estalando a embreagem — algum movimento houve nos pes. Uma conferencia rapida no entanto, e tudo estava em ordem, reto, alinhado, nivelado, no prumo.

Uau, aleluia! Toda gloria ao Santo Travesseiro! Olhando a coisa depois da remocao dos grampos... nada mau, hein?

Todavia, conhecendo bem as artimanhas do Murphy — e, sinceramente, sabendo que eu nao tenho essa bola toda, hehe — eu ja imaginava aquelas mexidinhas na hora do aperto final dos parafusos nao iam ficar de graca. Revisando minuciosamente o resultado sem o atravancamento dos grampos e com a cola seca, reparei os angulos fugiam do reto. Pouca coisa, par de graus aqui, um e meio ali mas, reto, reto nao, nao estavam.

Mas, convenhamos, ninguem vai analisar no dia a dia uma mesa com esquadros e niveis, nao e' mesmo? E, tudo bem, talvez ate haja alguem com olhos capazes de detetar desalinhamentos de um a dois graus. Mas, aos olhos do meu cliente a coisa ate que estava muito boa, hehehe.

So que sei bem, se os olhos se deixam enganar, a madeira nao. E eu tinha ainda de construir a moldura para o tampo, e aqueles poucos graus certamente iriam causar desencontros nas juncoes, frestas que ate um cegueta iria ver a dezenas de metros.

Minha ideia original era construir a moldura do topo separada da base e depois de pronta aparafusa-la no cimo das pernas. Com os desalinhamentos no entanto, esse metodo seria receita garantida de cacaca! Resolvi entao que iria construir a moldura no lugar, sobre as pernas, sem esquadro e tirando as medidas pelas proprias pecas, e tomara que os demonios todos tenham ido dormir.

Assim, aparelhei e dimensionei os lados longos da moldura em duas ripas de marfim-mara e, apoiando as ditas cujas sobre as pernas, marquei e entao cortei nelas um rebaixo raso nas areas de contato. Com isso, consegui um posicionamento estavel para as laterais e, variando profundidade e angulo dos rebaixos conforme a necessidade, pude garantir as pecas ficassem bem niveladas. Uma vez garantido o nivel, fixei as laterais `as pernas com parafusos. Hora de posicionar os lados curtos.

Sabendo que os lados curtos nao ficariam exatamente esquadrejados, uma serie de possiveis encaixes foram descartados a priori. O metodo que me pareceu mais eficaz para fazer emendas consistentes — e fora de esquadro — foi copiar a tecnica muito utilizada pelos irmaos Greene do encaixe de caixa com tres dentes, com o malhete macho nos lados curtos.






Fiz os cortes para os malhetes empregando a serra fita. Nas femeas, retirei o segmento do meio, com bedame. Nos machos, serrei fora os segmentos laterais com serra manual. Para marcar angulos e profundidades fiz uma primeira marcacao fixando as laterais longas com os parafusos e posicionando as laterais curtas no lugar que desejava e marquei as posicoes com lapis. Cortei os malhetes femeas por essas marcacoes, voltei a fixar as laterais longas nas pernas e tornei a conferir angulos e posicionamentos para as laterais curtas, marquei e entao cortei os machos por essas marcacoes.


Como talvez seja mais facil entender vendo as fotos abaixo...

Cortando o segmento central de uma lateral longa, com bedame

O segmento central removido de uma lateral longa

Uma lateral curta colocada sobre uma longa para conferir posicao e angulos, antes de cortar os segmentos laterais
para formar a espiga da ensambladura

A pequena diferenca de angulo; a linha mais escura o angulo desejado, a linha mais clara o angulo reto

O encaixe feito. Note-se a pequena diferenca de angulo
representaria uma indisfarcavel fresta


Na porcao central da moldura foi posicionada uma trave fixada com um encaixe 'quase' a meia madeira, passante. (Por razoes esteticas eu originalmente tinha pensado em utilizar espiga e fura passante, mas estruturalmente a opcao final me pareceu mais apropriada.).


E com isso a estrutura toda da mesa foi completada e efetuei uma primeira montagem seca, o que ja da os ares do aspecto final do novo movel...


Bueno, agora partir para a montagem final, a colocacao do tampo na moldura, os aderecos, o refinamento fino do acabamento, incluindo correcao/tapeacao dos erros que ainda permaneceram visiveis, e tudo, e tal.

Qualquer bathora dessas...


6 comentários:

  1. Parabens Dr. Paulo, não só pela execução do trabalho, mas pela criatividade, inclusive de tapear os prováveis erros... rs.

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    1. Obrigado pela forca, Adenilson.

      Quanto aos erros, sao inevitaveis quando se faz qualquer coisa `a mao. Logo, dar jeito neles faz parte da lide, hehehe.

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  2. Boa tarde,
    É só para dizer que costumo seguir o seu blogue e que aprecio bastante os seus trabalhos.
    Estão muito bem explicados.
    Obrigado.

    João Paulo

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    1. Se voce consegue tirar proveito do blog, Joao Paulo, ele cumpre seus objetivos.

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