quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Consideracoes sobre um Grande Mestre

No que concerne a criador e suas criacoes, quando o tema e' Mr. Sam Maloof,  provavelmente o maior expoente da marcenaria no sec. XX, nunca escondi que sou fa de carteirinha.


Assim e' que tendo recebido o livro ahi da foto `a esquerda sobre seu mobiliario — The Furniture of Sam Maloof, Jeremy Adamson/Jonathan Pollock, 2001 Smithsonian American Art Museum — mergulhei em sua leitura com prazerosa fome, daquelas de ler devagarinho e depois por vias das duvidas reler as partes mais envolventes. Inclusive, ocupado com a leitura da obra, embevecido com os relatos da vida e da obra do mestre, acabei imesmo por me afastar das lides com madeira, abandonei temporariamente a oficina, hehe.

Recomendo vivamente a leitura do livro, tanto para quem ja tem alguma familiaridade com o grande marceneiro e sua obra, quanto para quem dele so ouviu vagas mencoes. O autor centra-se no que diz o titulo, e relata a evolucao do mobiliario de Maloof incluindo com alguma minucia sua insercao no panorama  dos movimentos das artes e oficios no sul da California. Mas, se do autor ficam evidentes seus solidos conhecimentos sociopoliticos, por outro lado devo dizer se pode facilmente concluir que de marcenaria mesmo, de lidar com as maos, o autor pouco entende. Vejam, por exemplo:

Ha mencao, em multiplos paragrafos ao longo do livro, do afamado grande dominio que Mr. Maloof tinha do uso da serra fita e sua abordagem unica de efetuar sem qualquer modelo cortes livres com a peca no ar cortando sinuosidades em angulos compostos. E famosamente ha o relato, conhecidissimo, de como conseguia cortar dois bracos, direito e esquerdo, para uma cadeira de forma tao exata que, ao final, a diferenca entre eles era menor de um milimetro — utilizando como instrumentos de medida nada mais que o indicador e o polegar.

`A primeira vista o feito parece realmente assombroso, inacreditavel pericia. Mas ahi ha de se lembrar a serra fita era uma constante nos trabalhos do velho mestre e, mesmo ja idoso, ele continuava como sempre foi um workaholic, trabalhava rotineiramente de 10 a 14 horas por dia, 5 dias por semana, produziu centenas, milhares de moveis. E nao se pode esquecer a memoria muscular existe, e e' extremamente precisa: qualquer um de nos, ao contar dinheiro, detecta quando ha duas notas aderidas, ou quando duas folhas de um livro ficam 'coladas', nao e' verdade? Quero dizer, o feito notavel, a sabedoria da ponta dos dedos, como sabe qualquer artifice enrijecido na lide nao era talento inato (que ele tinha, e muito) mas, sim, fruto do trabalho.

Mas nao quero dizer o livro e' frio, um relato puramente analista. Pelo contrario, ha incontaveis relatos de casos personalissimos, recheados de empatia. Pinco um, por aperitivo...

Relata o autor:

Em fevereiro de 1986 Maloof deu um workshop em uma loja de artigos de marcenaria em Atlanta, Georgia. Um dos participantes era Jack Warner, um jornalista local relativamente conhecido que relatou sua experiencia em uma serie de quatro artigos cativantes que, sindicalizados nacionalmente, ajudaram a ampliar a fama de Maloof entre os marceneiros amadores de costa a costa dA Matriz. Na arrancada, declarou:

"A maneira mais simples e atraente de identificar Sam Maloof e' chama-lo o mais conhecido, o mais bem sucedido marceneiro do mundo — o sonho de todo o marceneiro de garagem feito realidade... mas ele esta tao distante dos marceneiros de garagem como eu, quanto Rubens estava do pintor de paredes do bairro."

Ao final dos dois dias de workshop Maloof tinha montado e dado forma, grosseira, a uma das que chamava cadeiras ocasionais de espaldar alto (do modelo mostrado, acabado, ahi nas fotos) e, na saida da demonstracao, convidou todo mundo a sentar nela. "Momentos como esse podem ser muito embaracosos", escreveu White mais tarde.
"Todo mundo se amontoa na volta sorrindo bestamente para o cara sentado, que nao raro se sente obrigado a oferecer alguma opiniao perspicaz sobre a coisa. Eu fui acho que o ultimo a sentar nela; demandou uma certa coragem.
Os assentos das cadeiras de Maloof sao longos e generosos; uma crista saliente no centro desestimula ficar-se encarapitado na beira, incita a gente a deslizar pelo assento levemente inclinado ate a profundidade oca do fundo. Chegando la, tem-se a sensacao de estar em um berco. Relaxe, e os sarrafos verticais apoiam a base de sua coluna e o cume ampara sua cabeca. Os longos bracos suportam firmemente seus cotovelos e seus dedos se curvam sobre as formas sutis das pontas. Desconfio que cada um das tres duzias de homens e mulheres neste seminario sentiu que Maloof tinha feito a cadeira pensando nele. A cadeira ainda estava rugosa e peluda das grosas e da serra fita; nem uma parte havia sido lixada. Mas ainda era a cadeira vertical mais confortavel que eu jamais experimentara — de madeira ou estofada."

O relato, quando o li, me fez lembrar de quando fiz minha imitacao da famosa cadeira de espaldar baixo de Sam Maloof. A surpresa de ver o 'enorme' tamanho do assento quando montado, me levando correndo a ver se nao tinha errado as medidas. A inacreditavel comodidade da desconfiada primeira sentada...




Como?

Isso nao esta parecendo uma critica, sequer uma mera recomendacao, mas a opiniao de um fanatico?

Nao. Nao esta parecendo.

E'!