sábado, 30 de abril de 2011

Afiacao

Consta, no Japao um aprendiz de marceneiro dispende os seis primeiros meses de seu treinamento apenas aprendendo e praticando a afiacao de ferramentas. Mais, que do total de horas trabalhadas em uma marcenaria japonesa classica aproximadamente 50% do tempo e' utilizado em afiacao. Enquanto isso, por aqui aparentemente afiacao e' uma atividade menor, coisa que raramente e' mencionada e, quando e' mencionada, e' de passagem, favas contadas, uma coisa tao simples que sequer precisa ser ensinada, e' o que parece.



Muito provavelmente esse pouco caso porque nas nossas marcenarias modernas o que mais se usa sao ferramentas eletricas que utilizam laminas afiadas industrialmente. Quando o disco de uma serra circular, ou uma broca, ou uma fresa de tupia, ou as facas de uma plaina eletrica, etc., perdem o fio, nao se afia. Ou se troca por nova, ou se manda afiar no especialista. A necessidade de afiacao so comeca a ser notada quando se utilizam ferramentas manuais — formoes, goivas, boquexins, plainas, etc. E ahi, como os conhecimentos do usuario quanto `as apropriadas tecnicas de afiar esses instrumentos sao poucos, ou nenhum, em geral esse usuario tende a nao usar essas ferramentas, alimentando o ciclo vicioso.



Isso se reflete no mercado: motoesmeril a parte, e' dificil, quando nao impossivel, encontrar quem tenha `a venda instrumental para afiar ferramentas. O que mais uma vez remete, quem quer procure ampliar seus horizontes em marcenaria para alem de construcoes em paineis retos fixos por ferragens, `a necessidade de inventar e/ou construir jigs, procurar ofertas no ML ou Ebay, e `a importacao.




O que ja nao e' facil, fica mais dificil...




quarta-feira, 27 de abril de 2011

Madeiras vagabundas

Sei bem das muitas vantagens, tecnicas e taticas, de se utilizar paineis amadeirados (MDF, OSB, HDF, MDP, etc.) em marcenaria, mas... fazer o que? Gosto e' gosto e eu prefiro sempre madeira macica, pelo visual, pelo tato, pela estrutura. Ate pelo cheiro. Mas, apesar do muito que aprecio jacaranda, mogno, teca, as madeiras ditas "de lei" em geral, o fato e' que ultimamente — movido um pouco pela curiosidade e mais pela teimosia natural dos inexperientes, fora inescapaveis consideracoes financeira$, hehe — tenho insistido em utilizar madeiras ditas 'de segunda' em minhas lides, mais especificamente pinus e eucalipto.

Nao acho nem uma nem outra feias, ate pelo contrario, mas nao e' por sua beleza o emprego. Como disse, e' mais por teimosia: de tanto ouvir dizer que "nao da pra usar", quis ver por que diabos nao da.


Bueno... Para inicio de conversa, ha pinus e pinus, eucalipto e eucalipto. De fato, no que toca ao pinus ha dezenas de especies e, quanto ao eucalipto, centenas de especies diferentes no nosso mercado. Cada uma com suas peculiaridades, vantagens e fraquezas. Como nao tenho acesso a informacoes cientificas especificas, e para ser sincero tampouco tenho intencoes de me especializar no assunto, o que faco e' empregar o velho metodo empirico da tentativa e erro. Tendo boa camaradagem nas duas madeireiras que utilizo mais frequentemente, quando compro isso ou aquilo consigo sempre umas amostras, uns retalhos para experimentar, fazer uns testes.




Aprendendo, geralmente ao preco de cometer erros, os jeitos de lidar, penso que tenho obtido resultados ate bem interessantes. A primeira peca em que efetivamente utilizei pinus foi — para variar! — uma caixa, essa ahi ao lado. Custei um pouco a aprender como aparelhar adequadamente e, mais ainda, como dar acabamento. (Pinus dificilmente sai reto da serra, geralmente se encurva. E, como e' repleto de resina, essa resina frequentemente interfere na secagem dos acabamentos.) Mas vai-se pegando o jeito de se contornar os problemas, os macetes, as manhas. E o resultado compensa, penso eu.

De fato, acabei ganhando uma aposta de um amigo, que jogou eu nao conseguiria fazer uma peca de mais porte utilizando pinus. Topei a aposta, e acabei fazendo um armario de canto para meu banheiro que, para o meu gosto, ficou ate bem interessante, inclusive porque pude testar o emprego de umas tecnicas novas para mim, como portas curvas e em cortina:




Vendo o armario recem posicionado na parede e amargando a dor de ter de patrocinar as cervejas como pagamento da aposta que perdera, ainda assim meu amigo nao se deu de todo por vencido. "Mas cade o acabamento? Essa madeira esta crua!", comentou, feroz. Nao adiantou dizer que acabamento a oleo e' na base de uma demao todo dia por uma semana, toda semana por um mes, todo mes por um ano e todo ano para sempre. "Nah! Isso nao vai dar acabamento nunca! E aqui no banheiro, com essa umidade toda, os cupins vao e' logo, logo fazer festa nesse pinus e nesse
cedrinho!"

Se vao ou nao vao, na verdade eu nao sei. Veremos...
Mas mesmo que em par de meses a coisa fique bichada, desconjunte-se, acabe por merecer a lareira — o que duvido muito, diga-se de passagem —, ainda assim considero a experiencia foi muito valida. Principalmente considerando-se a possibilidade que se abre de construir-se pecas a preco zero. Como? Preco zero??

Sim, todo o pinus utilizado na caixa e boa parte do utilizado no armario se originaram de palets, madeira descartada como lixo, o unico custo tendo sido o transportar aqui para casa...


Agora, um pouco inspirado por artigos publicados nA Matriz que o consideram como estruturalmente equivalente `a madeira de bordo (hardwood maple) e com visual semelhante `a cerejeira e ao mogno (exagero, eu acho), mas principalmente porque, ao contrario das outras essencias, sua disponibilidade nas madeireiras so tende a aumentar, estou dando preferencia ao eucalipto em minhas brincadeiras.

A lazy susan que ilustra a primeira postagem desse blog me deixou muito bem impressionado com as qualidades e, principalmente, com o visual do eucalipto rosa. Vamos ver.

Vamos ver...

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Espaco - SEMPRE insuficiente y otras cositas mas

Quando meu guri saiu de casa e me apeteceu brincar de marceneiro com um pouco mais de intensidade, decidi expandir para a area que era a 'churrasqueira' a 'oficina' que, ate entao, ocupava apenas uma pequena peca no canto. Inicialmente a coisa ficou bem espacosa mas com o passar do tempo, uma nova maquina aqui, uma pilha de madeiras ali, acessorios, jigs... Bah, voces sabem bem do que estou falando. Logo, logo comecou a ficar meio dificil de se mexer e, pior, frequentemente quase impossivel de achar aquilo ou isso, apesar de frequentes e nao raro volumosos, mm, rearranjos logisticos. Mas... azar! Faz parte, oras.

No momento, estou em plena vigencia de outra crise de espaco.
Bueno... Para ser bem sincero eu consegui remanejar as coisas que estavam amontoadas me incomodando tao, mas tao bem, que acabou sobrando espaco, hehe. So que no embalo dos rearranjos e reposicionamentos acabou ficando vazio um espaco bem no canto da, hoje atrolhada, velha oficina:








Nada muito, pode-se ver. Mas pensei melhor otimizar esse espaco antes que o caos do dia-a-dia acabe por voltar a atulha-lo. E aproveitar o 'delirio arrumatorio' em vigor para construir para ali, ou um conjunto de prateleiras, ou umas gavetas, ou algo parecido.

Como aprendi com meu avo, quando nao sei direito o que fazer nao faco nada, e vou 'consultar o travesseiro'. Um par de noites e ja estarei pegando o papel para uns rabiscos, visualizar uma ou outra das ideias que, sempre, acabarao surgindo...


__________________________________

E, por falar em deixar os miolos matutando por conta propria ao fundo enquanto a gente se ocupa com outras coisas no primeiro plano, e porque tinha falado em fazer caixas, lembrei um sucedido interessante.

Eu havia construido uma caixa, optando por colocar na tampa uns retalhos de cedrinho cujos veios tinham um desenho que me agradou:


A caixinha, para o meu gosto, tinha ficado ate bonitinha, e a coloquei em uma mesa auxiliar, na sala. Praticamente todos os dias eu olhava e gostava. Mas, de alguma forma, parecia que estava faltando alguma coisa.

Um dia, com a cabeca longe — naquele estado que a gente fica quando olha nuvens e fica vendo imagens nelas, caras, carneirinhos, castelos, bundas, talicoisa — os desenhos na tampa de repente pareceram formar uma imagem, uma imagem com sentido. Uma paisagem marinha, mais precisamente. Ahi, ocorreu-me uma ideia de, talvez, fazer com que outros tambem vissem a tal paisagem.

E a caixinha ficou assim:

sábado, 23 de abril de 2011

Fazendo caixas



Aprecio imensamente emendas japonesas. Por sua eficiencia, elegancia e aparente simplicidade. Quando comecei a considerar a ideia de voltar a brincar com madeiras, uma das primeiras providencias que tomei foi pesquisar a Internet e adquirir alguma literatura sobre emendas japonesas. Ahi, ja armado de algum conhecimento teorico basico do assunto, julguei chegara a hora de por a coisa em pratica...

A famosa emenda japonesa de interseccao de tres
membros a 90°, extremamente complexa.
Cacilda!
Nao demorou muito constatar o furo era mais em baixo. Beem mais em baixo. O que eu nao sabia ate tentar executar os procedimentos era da exigencia de meticulosa precisao, tolerancias praticamente sempre menores de milimetro. Resumindo, sao tecnicas que demandam treinamento, muito treinamento, muita repeticao ate automatizar os passos com a indispensavel minucia. Coisa para aprender-se quando jovem, que necessita meses, anos de treino ate dominar. E que emprega abordagens especificas no uso preciso de ferramentas especificas que aqui — naturalmente! — sao praticamente impossiveis de se encontrar.


A emenda em bico de passaro. Supostamente muito simples,
ja tentei faze-la mais de dez vezes; nunca ficou perfeita.
Nao dispondo do bolso, nem do tempo, nem do temperamento obsessivo necessarios, aceitei com algum pesar: `aquelas alturas da estrada a empreitada era areia demais para o meu caminhaozinho.

Mas no processo fui capturado pela ideia de encaixes e emendas, um campo certamente nao limitado `as tecnicas japonesas. E o caminho que me pareceu mais pratico e mais economicamente viavel de ir-me familiarizando `as lides com madeira — e de aprender quanto a encaixes e emendas — foi o de construir caixinhas, caixas e caixotes.



Projetar, construir e dar acabamento a caixas de madeira pode permitir acesso a praticamente todo o elenco de preceitos e de tecnicas basicas de marcenaria. Caixas pequenas quase nem tem custo quanto a materiais mas em compensacao tem pouca tolerancia a erros, cobram precisao. Caixas grandes introduzem aos problemas estruturais, sustentacao de peso, deformacoes. Todas demonstram muito bem a absoluta necessidade de esquadro, de adequadamente aparelhar a madeira nos seis lados... e por ahi afora, todo o be-a-ba. Uma escola exigente, mas divertida e que pode render frutos bem apetitosos.


Essa ahi foi a terceira caixinha que eu fiz. Os erros sao tantos que nem da para enumerar e o resultado estetico e' no minimo duvidoso, mas mesmo assim no construi-la aprendi como fazer encaixes precisos em box joint e em shiplap (como meu aprendizado teorico foi basicamente na Internet e livros em ingles, ha muitas expressoes tecnicas como essas cuja traducao desconheco — e muito agradeceria a quem souber se me informasse), pratiquei tecnicas de colagens, acabamento a oleo e tantas coisas mais — alem de ficar sabendo como evitar inumeros erros, hehe.

Evidentemente o design, o grau de complexidade e o refinamento que se pode imprimir a um dado projeto de caixa e' praticamente ilimitado, como praticamente ilimitados sao as variedades possiveis de tecnicas construtivas e o dimensionamento. E o tempo a ser dedicado `a confeccao de uma caixa sera exatamente aquele que voce quiser; querendo dizer que e' altamente improvavel que va interferir com qualquer outra demanda porventura existente em sua agenda.

O que, alias, me lembra: esta mais do que na hora de eu comecar a fazer uma nova caixa...

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Lazy Susan

Lazy Susan, o que se traduziria como Susana Preguicosa, e' um acessorio de mesa muito utilizado nA Matriz. Consiste em uma mesa auxiliar giratoria; o exemplo classico de seu uso e' facilitar que varias pessoas sirvam-se de diferentes pratos postos `a mesa sem necessitar ter de ficar solicitando uns aos outros "passa o arroz", "passa a couve", e por ahi. Outros usos, claro, dependem apenas de sua imaginacao...

Bom curioso, como praticamente sempre em meus projetos aproveitei para, alem de construir um objeto util, testar e experimentar.

De inicio, selecionar eucalipto rosa como uma das madeiras: nunca tinha usado essa essencia e tinha curiosidade de ver como se comportaria e como seria seu visual acabado. E entao, fazer a montagem em octogono para testar um metodo de corte sem medir.

Esse metodo consiste em, utilizando o transferidor de angulos da serra circular de bancada, serrar uma tabua de qualquer largura inicialmente a 22,5°, entao a 45°, entao a 22,5°, entao a 45°, e assim sucessivamente, a partir do segundo cada corte produzindo um triangulo:


Oito desses triangulos unidos pelo vertice criam um octogono regular.






Na pratica, ripei duas tabuas com 27cm de largura, uma de cedro, a outra de eucalipto e, aplicando a tecnica, obtive quatro triangulos de cada uma, os quais foram entao colados com prensagem (utilizando tambem biscoitos, nem tanto para reforco mas mais para evitar torcoes e desalinhamentos) para formar o tampo da preguicosa mesa auxiliar. (A proposito, se for utilizar essa tecnica, e' interessante guardar os recortes que sobram das tabuas serradas: eles serao utilissimos para completar os angulos retos, facilitando muito o posicionamento dos grampos para a prensagem e protegendo as bordas das 'mordidas' dos grampos.)

Apos a cola curar, dos excessos de cola serem raspados e os cantos externos 'assassinados' com uma serra manual (cantos 'vivos' podem ser, mm, traumaticos e tem propensao a lascar, hehe), eis o resultado:


Com cedrinho e cedro na moldura e o centro em pinho (jovem, de reflorestamento; todas pecas originarias da "sucata", ou seja, restos de outros projetos), utilizando encaixe em rail and stile (se alguem souber como se diz isso em portugues, eu agradeceria a informacao), foi construido o suporte da mesa, com um rebaixo para receber o prato rotatorio:


O acabamento escolhido — considerando que a mesinha nao ira ser la muito bem tratada, recebendo pratos quentes, provavelmente sujeita a derrames de aguas e outros liquidos, quentes, frios e/ou gelados e quase certamente vai levar uns tombos — foi verniz poliuretanico monocomponente. (Espero que resista pelo menos um ano antes de precisar reparos. Se a mesa durar tanto, hehe.) Aqui, o tampo recebendo a primeira de cinco demaos:

Sim, as queimaduras produzidas pela serra nao foram removidas. Afinal nao faria muito sentido caprichar muito no visual, considerado o quanto a mesa vai 'levar ferro'.
Uma vez aplicadas quatro demaos de verniz, o prato rotatorio ja fixo na base foi parafusado no tampo, atraves de furos feitos na base. O tampo recebeu uma quinta demao e os furos na base foram cobertos com pedacos de feltro que constituem os 'pes' da mesa. Alguns desses pedacos de feltro foram embebidos com cola de silicone, para dar uma certa aderencia e evitar a mesinha tenha tendencias a deslizar quando empurrada, mas apenas gire.

De tudo, o que mais me impressionou na peca foram as qualidades visuais do eucalipto rosa: conforme a incidencia da luz muda de cor em degradee, do rosa profundo a um branco luminoso.

No final, antes de partir para seu certamente atribulado destino, a coisa ficou assim :