sábado, 27 de agosto de 2011

Tabua de cortar — 3ª parte

Pronta a segunda colagem, a tabua saiu da prensa para a tupia...


Perfil da tabua
Onde os bordos foram moldados, o superior com um boleado de raio relativamente largo, o inferior com um chanfro curvo e, com isso, foi configurada a forma final da tabua.

A seguir, iniciar o acabamento pela sempre macante etapa de aplicar lixas progressivamente mais finas, iniciando com grana 120 ate grana 600. Entao um pano umido para remover a poeira e 'arrepiar' as fibras da madeira.

Chegamos entao a esse resultado:

Vista por cima


Vista por baixo


Ahi, foi deixar secar bem a agua, e tornar a lixar com grana 600 ate ficar tudo 'lisinho que nem bunda de nene'. Entao, paninho seco para tirar bem o po e aplicar-se uma farta primeira demao de oleo de tungue; descansar uns minutinhos e remover todo o excesso com pano seco limpo. Ficou assim:


A proxima etapa sera ir aplicando varias outras demaos de oleo de tungue e deixar a tabua ir tomando sol para o cedro mara ir escurecendo e acentuar-se o contraste entre as essencias...

Bueno, mas entao enquanto aguardamos o tempo correr `a irritante velocidade de um segundo por segundo, aproveito para umas observacoezinhas quanto ao projeto, ate agora.

Essa foi a primeira vez que executei esse projeto e, como sempre, ocorreram varios erros que poderiam, ou deveriam, ser evitados, alguns que puderam ser corrigidos, outros incontornaveis. O mais gritante deveu-se a descaso meu: postulei uma serra de bom acabamento me daria uma linha de cola invisivel. Na ripagem, ate deu. Mas nos cortes de topo, de jeito nenhum. Em retrospecto, eu bem que sabia que quando cortei, de topo, os bordos da tabua para inverter a ordem das laminas nas extremidades, devia ter passado as linhas de corte pela plaina antes de colar. Nem por pressa, porque nao tinha pressa nenhuma, mas por desleixo, "esqueci". O resultado e' esse ahi `a esquerda: olhando mais de perto da para ver nitidamente as imperfeicoes, e de longe a linha de cola e' mais que evidente, salta aos olhos.

Nao que tenha ficado exatamente um horror, acho eu, mas comparando com as linhas de cola praticamente invisiveis entre as ripas, da para imaginar (e uma edicaozinha ajuda a visualizar, hehe) quao melhor a coisa poderia ter ficado se eu me tivesse atinado do problema.

Agora... Azar!
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Fica para a proxima. (E da para entender bem porque os "marceneiros de internet" e "marceneiros da TV" sempre fazem um prototipo antes, nos projetos que apresentam...)

O que tambem poderia ser considerado um erro, considerada a utilidade proposta para a tabua, foi a escolha das essencias: tanto o eucalipto como principalmente o cedro mara 'machucam' com facilidade, sao muito sujeitos a marcas, arranhoes, mossas, etc. Para realmente colocar a tabua 'no batente', a selecao deveria ter sido por madeiras duras, como ipe, grapia, por ahi. Mas a real e', quando fui escolher madeiras contrastantes para iniciar o projeto, tinha esses restos que pensei se prestariam muito bem do ponto de vista visual. Mesmo ja sabendo que, fosse para usar mesmo a tabua, seriam pessima escolha...

--- oOo ---

Nada a ver exatamente com o projeto, mas quando sobrou um pouco de epoxi de cura lenta na ultima colagem lembrei um amigo havia me contado que, diluida em alcool absoluto, resina epoxi da um excelente verniz. Aproveitei entao o resto da cola, dilui com alcool e apliquei nos ovos que tinha feito em meus treinos com o torno.

Tudo bem que leva mais de 18 horas para poder tocar sem deixar marcas, e secar mesmo leva uns 3-5 dias. Mas olhem so o resultado de uma unica demao, e considerem que os ovos nao receberam nenhum acabamento especial:

"Ovos" envernizados com epoxi

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Tabua de cortar — 2ª parte

O Pedro, velho implicante, achou que depois da magnifica amostra de primavera que foi o dia de ontem era hora de lembrar-nos que corre agosto. E tome chuva, ceu fechado, umidade. Passaros, aves, certas glandulas contam que e' o inicio do fim do inverno. So que nao deixa de ser chato, especialmente pelo contraste...

Mas o assunto e' a tabua de cortar, nao os delirios caoticos da metereologia.

Entao, hoje cedito antes de sair saquei a laminacao da prensa, tirei com um raspador o grosso do excesso de cola seca, e passei na plaina os dois lados ate ficarem lisos e homogeneos. Apos isso regularizei em esquadro, na serra de mesa ainda com a lamina de bom acabamento (glue line blade), as pontas da colagem. Ahi, medi 15cm em cada extremidade e serrei esses extremos, identificando os lados:


Feito isso, inverti as pontas dos extremos serrados:


Ahi foi novamente preparar uma colagem com epoxi de cura lenta e prensar, alinhando cuidadosamente as laminas do miolo com as suas opostas nas extremidades serradas:


E deixar secar...

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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Tabua de cortar

(Como sempre, clicar nas imagens ira abrir uma versao com maior resolucao.)
Quando meu amigo F. Guido propos no forum MADEIRA! o desafio de construir uma tabua de cozinha, ou para cortar frios, ou algo assim, lembrando da meia duzia delas que ja construi para presentear amigos, confesso a primeira reacao foi meio sobre o descaso. Mas ahi ocorreu-me: um projeto que tinha visto a tempos e que me parecera interessante, e de quebra permitiria testar, na serra de bancada, a utilizacao do posicionador de precisao da INCRA...

Tendo realizado os — para mim que sou uma negacao com qualquer coisa envolvendo numeros — complicados calculos aritmeticos necessarios para cortar na serra de mesa 17 ripas com incremento de 1/32" a cada corte (o posicionador utiliza medidas imperiais; 1/32" equivale a praticamente 0,8mm), mal clareou o dia e fui aproveitar a sorte de o velho Pedro ter decido presentear-nos com um raro dia de sol, e reativei minha 'oficina'...

As tabuas identificadas e marcadas, o retalho com o corte para
medir o kerf, e a folha com as medidas para lancar no posicionador





Inicialmente coloquei na serra uma lamina capaz de ripar com acabamento aceitavel (glue line blade), e cortei um resto de madeira — para determinar a largura do rasgo da serra (kerf), fundamental para os calculos ja que as ripas iriam ser cortadas `a esquerda, pelo lado de fora da serra. Apos isso cortei exatamente na mesma largura quatro tabuas, duas de eucalipto, duas de cedro mara, de onde ripar as pecas, o que serviu para acertar corretamente o posicionador na mesa e, claro, setar o "zero" para os cortes.





Identificadas as tabuas e marcado o lado de encostar na guia, estava pronto para inciar os cortes. Para cortar a primeira ripa, com espessura de 1/32", o posicionador foi avancado 4/32", ja que 3/32" foi a espessura medida do kerf.

O posicionador de precisao da INCRA fixo ao tampo com chaves magneticas,
tudo pronto para inciar o primeiro corte, para produzir uma ripa de 1/32" de espessura

A primeira ripa, com 0,8mm de espessura, cortada por fora da lamina
Cortada a primeira ripa da tabua 1 de cedro mara, o mesmo corte foi feito na tabua 1 de eucalipto, obtendo-se outra ripa da mesma exata espessura. A seguir, o posicionador foi novamente avancado, o kerf mais 2/32" para as duas segundas laminas e feitos os dois cortes, depois o kerf mais 3/32" para as terceiras, e assim por diante ate finalmente chegar, ja nas tabuas 2, `a 17ª lamina, com 17/32" de espessura.

Por razoes de necessaria seguranca, a cada corte a serra foi parada para remover a lamina cortada de junto do disco, e cada lamina foi identificada com um numero, tanto para marcar o lado e assim manter os veios uniformes na montagem, como para previnir um sempre possivel acidente derrubasse as laminas e provocasse 'empastelamento' e um trabalhao para reorganiza-las.

Identificadas, uma a uma
Todas cortadas




Evidentemente, tanto lidar com numeros acabou dando tilt no meu separador de orelhas, e por duas vezes errei a setagem do posicionador. Fazer o que? Ja estou acostumado, aceito bem minhas limitacoes, hehe...





Uma vez todas as ripas cortadas, era chegada a hora de fazer a montagem seca: alternando as essencias, uma vez eucalipto, outra vez cedro mara, a ripa mais fina ao lado da mais grossa, progredindo ate as coisas se inverterem no outro lado, utilizando os numeros de identificacao para manter os lados sempre com a mesma orientacao. Entao, marcar um V sobre a montagem, outra vez para prevenir um acidente com possivel empastelamento — o que, pelas gracas de Murphy, acabou nao ocorrendo:

As ripas montadas a seco, alternadas por essencia e por espessura
com um V marcado para garantir a correcao de uma possivel remontagem

Feita a montagem seca e indexadas as ripas, e' hora de colar. Como esta seria uma colagem extensa, demandando tempo consideravel, como a tabua podera vir a ter contato com alimentos e eventualmente necessidade de ser lavada, o adesivo que escolhi foi resina epoxi de cura lenta. Como a cola leva 24 horas para enrijecer (e de 5 a 10 dias para curar totalmente, sempre aumentando a adesividade), imaginei poderia operar a colagem sem correrias, com amplo tempo para a aplicacao, montagem e todos os necessarios ajustes se fizessem necessarios.

Preparando a colagem com epoxi lenta






Apos aplicar-se a cola, necessario entao clampear tudo, e de forma a evitar quaisquer desalinhamentos ocasionados pela propria pressao. Fica facil entender por que se diz que nunca se pode ter grampos em excesso...


Agora, esperemos secar...

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domingo, 21 de agosto de 2011

Coisas que tivemos — Jacaranda-da-Bahia

Por suas caracteristicas unicas, em especial sua beleza, o lenho de jacaranda-da-bahia foi cobicado desde que os europeus o descobriram em mil quinhentos e poucos. Utilizada ferozmente desde entao, dentro e fora de pindorama, atualmente a especie esta ameacada de extincao, incluida no Apendice I da CITES, totalmente proibida sua comercializacao, proibido inclusive o comercio internacional da essencia mesmo sob a forma de artigos manufaturados. Teoricamente, pelo menos... (Mas, embora cetico, por justica devo salientar que desde que a CITES foi implementada la pelos anos 70 apenas uma especie incluida no Apendice I terminou extinta. Quem sabe nossos bisnetos nao voltem a ter tabuas de jacaranda-da-Bahia disponiveis?)

Mas se nao podemos dispor da madeira de jeito nenhum, se seu cheiro unico e maravilhoso esta vetado `as nossas narinas, resta-nos no entanto a pobre compensacao de ve-la. Vao ahi algumas poucas imagens, para ficar bem claro o que perdemos...

Clique na imagem para ve-la em maior resolucao

Lembram do Fuscao?
E mais alguns links:

Um bar para ninguem por defeito:
http://www.flickr.com/photos/ritavds/2427057663/sizes/z/in/photostream/

Uma secretaria com tudo em cima, inclusive jacaranda:
http://www.kunsthandel-muehlbauer.com/en/detail-zoomi.html?id=3

Em algumas ruas aqui no portinho podemos ver vicejando alguns pes da arvore, e a maravilha em que se tornam na semana em que floram:



Mas se o comercio dessa madeira esta vedado para o comum dos mortais, um passeio pela Teia mostra que no Primeiro Mundo pode custar caro, mas tem. Como por exemplo na Holanda:


E se mesmo os primos mais pobres do jacaranda-da-Bahia, como o jacaranda-do-Para, ou jacaranda-paulista, estao totalmente fora do nosso alcance, nA Matriz se consegue. Por U$559.83 da para comprar um feixe como esse ahi embaixo, seco em estufa, dois lados aplainados, com variados comprimentos e larguras somando 20 BF (board feet):



Fazer o que?

Pelo que se ve, nos aqui temos mais e' que nos contentar com pinus e eucalipto.

Especies exoticas, claro. Porque as nossas, nativas, ficam cada dia boas demais para nos...



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um autentico milagreiro

Certo! O foco esta algo longe da marcenaria, mas o trabalho e' tao excepcional que penso aceitavel eu tambem faca uma excecao e fuja um pouco do tema do blog...

Proprietario e pau-para-toda-obra da Guido Wood, meu amigo Francisco Guido esses dias no forum Madeira! me chamou a atencao para o trabalho de um artifice de Las Vegas. Artice provavelmente nao e' bem o termo; melhor seria intitula-lo alquimista, pois o cara realmente consegue transformar o que para todos os efeitos e' nao mais que lixo em valiosas preciosidades...


Nas suas proprias palavras especializado em "classical restoration" — a arte e as tecnicas de, aproveitando ao maximo possivel partes originais, restaurar um objeto `as suas condicoes originais de fabricacao, zero quilometro — esse verdadeiro artista chama-se Rick Dale, e e' proprietario da Rick's Restorations, com site em http://www.ricksrestorations.com/. O que, e quao bem, ele consegue fazer enquadra-se muito adequadamente na categoria "so vendo para crer":

Antes
Depois


Tantas fez a criatura que acabou sendo notado pela imprensa televisiva dA Matriz...

Mr. Dale e sua equipe apareceram pela primeira vez na TV em uma serie do History Channel chamada Pawn Stars, fazendo restauracoes para o protagonista da serie. Em 2010 ele acabou ganhando sua propria serie no canal — originalmente se chamaria Rusty Nuts, mas veio ao ar com seu nome atual, American Restoration.  O site da serie e' acessivel em http://www.history.com/shows/american-restoration.

Nesse site ha links para varios dos 21 episodios da serie mas, como habitual, esses links nao funcionam para os nativos de pindorama (The content you are trying to access is not available in your area.). O que nao chega exatamente a ser um problema, pois estao todos disponiveis pelos canais 'alternativos' usuais da Teia, ou do correto uso de um proxy... Mas divago! Sao episodios curtos, de pouco mais de 20 minutos de duracao e se certamente nao se propoem a ganhar premios por originalidade ou regalitos, o conteudo e' realmente um prato delicioso para quem aprecia ferramentas, bricolagem, ferro-velho, restauros e correlatos variados.


Segundo me informou o Guido, para quem nao quiser ir prospectar os episodios na Rede, o programa esta indo ao ar atraves do canal 55 da Sky, `as quintas-feiras e, imagino eu, e' bastante provavel que tambem no canal equivalente da Net. Para tirar a temperatura, vai um aperitivo, ahi abaixo:




sábado, 13 de agosto de 2011

Aprendizagem do bedan

Como planejado, continuo meu treinamento no uso do bedan.

Imagino com cada um sera de seu jeito, mas pelo menos para mim o aprendizado de qualquer ferramenta sempre pode ser dividido em duas partes. Primeiro, eu tenho de entender a fisica da coisa, por que se faz dessa e nao daquela maneira, por que isso, assim, facilita, por que isso e' ou nao errado — essas coisas que por mais a gente olhe os outros fazendo so vai entender mesmo quando poe as maos na obra, e faz, e erra ate entender. No caso do bedan que e' uma ferramenta bem simples, esse aprendizado veio rapido, ficou bem claro entender as razoes do processo de obter uma curva convexa iniciando, bizel para cima, pelo topo, fio na horizontal e, girando o corpo da ferramenta para que o corte ocorra apenas na ponta lateral do fio, avancar em um movimento o mais fluido possivel o corte ate a extremidade da curva, ahi ja com o corte totalmente vertical, e o por que de manter sempre o pivo do formao firme no mesmo ponto do encosto, abrindo progressivamente o angulo e nunca deslocando a ferramenta em paralelo ao corte.

Esse video ahi abaixo foi feito por outro iniciante, bem no comecinho, e evidencia erros e acertos. Nada que substitua a pratica real, claro, mas no minimo podera ser divertido...


Entendido, intelectualmente, o como e o por que fazer para conseguir esse ou aquele resultado, a segunda e sempre demorada parte do aprendizado de uma nova ferramenta e', como dizem os japoneses, ensinar o corpo. Ensinar ao corpo a postura e os movimentos corretos e, pela forca da repeticao ir automatizando os processos, os movimentos, ate o ponto de saber fazer sem pensar. Toma tempo, e' inevitavel. Um, dois meses, apregoa M. Escoulen...

Minha terceira producao pilotando um bedan evidencia, me parece, que ja consigo entender com alguma inteligencia como executar e variar o raio de uma curva convexa em uma peca com alguma regularidade. Como igualmente evidencia ainda falta bastante para dominar a indispensavel fluidez dos movimentos para obter o acabamento que a tecnica possibilita:


Nao tem escape: e' preciso treinar. E treinar.
Dificil imaginar algo mais divertido, hehehe...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Torno e bedan

Depois de uma longa e eventualmente irritante espera, finalmente as circunstancias foram propicias e eu consegui adquirir um torno manual para madeira. Embora longe de ser uma maquina sequer de segunda linha em relacao ao que se oferta no Primeiro Mundo, tem suficientes recursos para atender minhas demandas por um bom tempo, imagino.

Cheguei a ter um certo treinamento, por maos `a obra em tornearia la pelo final da adolescencia em meados do seculo passado, mas minha pratica ultimamente estava limitada apenas ao meu microtorno; e embora os formoes, goivas, os ferros de corte em geral sejam ate bem semelhantes, a tecnica de seu emprego e' bem diferente quando o tamanho muda de micro para macro.

Bedan
Enquanto aguardava a oportunidade de comprar o torno, um pouco para mitigar a sede, outro pouco pelo prazer de me informar, aproveitei para adicionar ao trivial variado de minhas surfadas pela Teia temas de tornearia. Assim, um belo dia me deparei com uma ferramenta cujo uso desconhecia, mas que logo despertou meu interesse: o tal de bedan. Trata-se de um formao de perfil quadrado, ou quase, com um bizel cortado a 47,5°. De uso costumeiro na Franca, o maior divulgador e propagandista de seu emprego e' um marceneiro frances de boa fama, chamado Jean Francois Escoulen (seu site e' acessivel em http://www.escoulen.com). Houve outros, claro, antes e depois, mas em especial esse video de M. Escoulen ahi abaixo — com sua mistura inusitada; um torneiro falando ingles com sotaque frances e sendo traduzido para o japones — foi fulcral em minha decisao: era uma tecnica que eu queria experimentar, sem qualquer duvida. Alem da preciosidade da execucao e da beleza do resultado demonstrado no video, calou fundo a afirmacao do mestre quanto a, em sua experiencia, qualquer apreciador de tornearia que dedicasse 10 minutos por dia `a pratica com o bedan em dois meses estaria total e irreversivelmente convertido ao seu uso sobre qualquer outra tecnica. Tao impressionado e tao curioso fiquei que ja meses atras acabei adquirindo um bedan...



Quando o meu torno enfim chegou, antes de poder opera-lo foi necessario mandar construir no torneiro mecanico algumas pecinhas que 'vieram faltando' e adaptar outras para, na minha opinao, melhorar a ergonomia. Ja pensando em usar o bedan lembrei desse e outros videos, e de algumas postagens onde tinha lido que, especialmente em maos sem treino, como todo formao chato o bedan pode facilmente ocasionar trancos e por isso e' recomendavel que ao inves de pontas com agarre e' mais seguro, para o operador e para a peca, utilizar-se ponta lisa. Assim, aproveitei a ida ao torneiro mecanico e encomendei uma ponta lisa. Longa, tipo 'lapis', para afastar a peca do eixo, aumentando a seguranca.


(Na foto acima pode-se ver alguns acessorios do torno: da esquerda para a direita, as duas chaves para aperto do eixo, a placa de face e dois bits do copiador, um com ponta triangular, o outro com ponta quadrada. Sobre a placa, a ponta viva original, com garras, a contraponta rolamentada e a ponta que mandei construir, lisa, tipo 'lapis'.)

Tudo ajeitado, revisado, os acessorios disponiveis, era hora de testar a encrenca...

Medidas de seguranca tomadas, EPIs, roupas, tudo e tal, prendi um galho de amoreira, seco de anos, entre pontas e comecei a girar. Dois serios problemas de ergonomia logo se manifestaram. Primeiro, a fixacao do apoio da ferramenta e da base da contraponta e' feita com porcas:

Isso significa que a cada ajuste, tanto para reposicionar o descanso, como para aproximar ou afastar a base, e' necessario utilizar uma chave.


Marcas e serrilhado produzido no descanso de
ferramenta pelos bordos dos formoes

Alem disso, o descanso da ferramenta propriamente dito e' construido em aluminio. Ora, os formoes sao de aco rapido, muito mais duros. Ao apertar contra o encosto os formoes, especialmente os cantos vivos do bedan, o aluminio evidentemente cede, e vai-se formando um serrilhado na borda do descanso que acaba atrapalhando o livre deslocamento da ferramenta durante o corte, com repercussao no acabamento da peca.

Mas, enfim, como eu disse nao e' uma maquina de primeira linha, longe disso. Solucoes estao sendo engendradas, por certo, mas enquanto isso, e' hora de treinar, treinar. No minimo 10 minutos por dia, como recomenda M. Escoulen...

Ontem e hoje, o bedan muitissimo bem afiado como indispensavel, treinei. Os resultados... Ontem, do galho de amoreira, uma forma livre com um anel prisioneiro, para ver se eu ainda lembrava como se faz.





Hoje de manha, resolvi seguir a recomendacao do mestre frances e, de um toquinho de cedrinho, tentei girar um ovo. Longe da perfeicao, como esperado. Tive problemas com a terminacao nas pontas e, tambem como esperado, com o acabamento.








Bueno, de qualquer jeito ainda faltam 59 dias para confirmar, ou negar, a tese proferida no video... O que ja deu para perceber nessas duas primeiras tentativas e' que quando a coisa da certo, da muito certo.

Estou curioso, muito curioso, de ver o que vou poder conseguir quando sentir firmeza para usar madeiras mais afeitas a giros.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Estilos

Por razoes que a sociologia tenta — no usual sem sucesso — explicar, o gosto das gentes muda acentuadamente com o fluir do tempo. Quando certos padroes de gosto como que se estabilizam por periodos mais ou menos prolongados na historia das civilizacoes esses padroes, expressos nas criacoes desses periodos, sao denominados estilos.

Sem a menor intencao de contemplacoes sociologicas, a mera observacao nas diferentes civilizacoes do produto dos, mm, arteiros (artistas, artifices, artesoes) faz evidencia gritante da imensa variacao dos conceitos de beleza e utilidade, sempre os fundamentos da arte, em intervalos de tempo nem tao imensos assim.

Como exemplos, os projetos dessas duas cadeiras ilustradas ahi acima, arquetipicas de seus estilos, embora quase antagonicas no que representam de prioridades no processo construtivo, sao separados por nao mais de seis geracoes.  O modelo em couro branco, caracteristicamente do estilo Rococo ingles, o apice do Barroco, contemporaneo no Brasil `as obras do Aleijadinho em Minas, evidencia a intencao de demonstrar a maestria do artifice na profusao de enfeites, bordados, na riqueza e complexidade dos detalhes, nas geometrias quase impossiveis, no acabamento impecavel, nos materiais nobres. Ja o outro modelo, em couro preto, italiana, caracteriza o estilo moderno contemporaneo, a priorizacao absoluta do design, a funcao submersa na forma, as linhas enxutas, sem aderecos, suportadas pelo arcabouco em aco.

Inumeras hipoteses podem ser coerentemente aventadas para explicar, dar nexo a esse progressivo enxugamento das formas que fluiu nos dois seculos a separar os dois estilos. Dificil vai ser conseguir a mesma logica, o mesmo nexo se aplique com igual coerencia a outros periodos e outras civilizacoes onde as coisas fluiram em uma tendencia exatamente oposta, do simples para o complexo, do enxuto para o convoluto.

Da minha parte, para nao confundir meu separador de orelhas notoriamente subdotado, eu prefiro ficar sem explicacao alguma. Apenas sublinhando a tese que sao gostos.

E, como diz um conhecido meu, gostos sao como as mulheres. Nao se discute. Se abraca.


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Madeiras no futuro

Varias coisas aqui por pindorama sao boas, muito boas Mas nao sao para nos...

Niobio, por exemplo. Elemento absolutamente indispensavel na moderna metalurgia, especialmente na industria aeroespacial, somos praticamente o unico produtor do mundo. E exportamos tudo com precos determinados por... Londres!

Jogadores de futebol! Um tanto quanto melhor que a media e... zum! Malas e bagagens atras de €uros, petrodolare$ e corre£atos.

Nao e' diferente com madeiras. As nossas madeiras mais nobres, escassas ou mesmo com comercio proibido em nosso mercado, surgem facilmente nas terras do mundo desenvolvido, prospectadas por moedas fortes. Meses andei atras de, um pedaco que fosse, de jacaranda da Bahia, so para ter, e um belo dia um amigo me traz da Inglaterra um graminho — em jacaranda da Bahia... Mogno, na lista da CITES como ameacado de extincao, comercio totalmente vetado por aqui sob risco de prisao inafiancavel, foi facilmente obtido por um marceneiro dA Matriz para construir um belo movel que lhe acabou impulsionando `a notoriedade televisiva. Originario d... Adivinhem!

Ha mesmo quem diga que em atividades de marcenaria e carpintaria nos outros, filhos de pindorama, terra abencoada com uma das maiores biodiversidades inclusive em essencias de madeiras de primeira, nos encaminhamos para dispor apenas de eucalipto e pinus. Ironicamente, especies exoticas, nao nativas...

Mas sacanagens mercadologicas a parte, e' fato inarredavel boas madeiras sao um recurso cada vez mais escasso planetariamente. E no variado elenco de medidas visando alcancar sustentabilidade no comercio de lenhos, um recurso originario da tecnologia vem assomando com progressiva notoriedade: a madeira sintetica, ou madeira plastica, originaria de reciclagem.


Como imagino seja tambem o caso de voces, meus seis leitores, ainda nao tive oportunidade de ver, tocar, cheirar um pedaco dessa madeira sintetica. Consta, tem varias implementacoes construtivas, do puro plastico reciclado, a um amplo leque de misturas, com restos de madeira, fibras, metais, o escambal. A aparencia, consta ainda, pode ser francamente artificial, ou enganar completamente os olhos tal a semelhanca com madeira natural — mesmo se parece que as maos e o nariz nao se enganam tao facilmente. Certos tipos desse material podem ser usinados tal qual madeira fossem, com as mesmas maquinas e ferramentas, para os mesmos objetivos.

As vantagens anunciadas, cantadas em prosa e verso, sobre a madeira natural vao desde a praticamente nao haver limites quanto a formas, dimensoes, consistencia, rigidez, etc., para a construcao das unidades, ate a alegacao de ser totalmente dispensavel qualquer conservacao: nao e' preciso tinta, pois ja vem pigmentadas da origem, podem encostar-se nuas diretamente ao solo e ficar impunes `a exposicao aos elementos, pois nao se embebem com agua, nao mofam, nao apodrecem, resistem incolumes `as radiacoes solares. Dizem...

Qual a real aparencia da coisa, quais as reais semelhancas e diferencas, sensoriais, mecanicas e esteticas, e' coisa que so vou comentar depois de ver, para nao cometer injustica, nem falsa propaganda — embora nao va nunca negar eu tenha um fortissimo bias favoravel `a madeira natural. Mas, afora essa natural curiosidade pelo novo e o desejo sincero de que o gosto, meu e de tantos, por marcenaria nao acabe sendo soterrado pela progressiva falta de materia prima onde exercer-se nossa pratica, uma observacao ja se pode adiantar no que tange a essas madeiras sinteticas. Varios dos fabricantes afirmam elas podem apresentar, na pratica, performance equivalente a das melhores madeiras naturais. E ahi — por coincidencia ou nao, voce decide — o preco que colocam nesses pseudolenhos e' justamente o mesmo de madeira de lei de primeira escolha.

E nao e' so aqui, coisa de tupiniquim, nao. Uma mesinha com banquinhos, por exemplo, esta `a venda nA Matriz. Por miseros U$1.000...

Quer dizer, a menos que uma economia de escala e/ou os chineses deem um jeito nos valores, essa intervencao da tecnologia talvez ate venha a defender os nossos estoques. Ja o nosso bolso...

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