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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Consideracoes sobre um Grande Mestre

No que concerne a criador e suas criacoes, quando o tema e' Mr. Sam Maloof,  provavelmente o maior expoente da marcenaria no sec. XX, nunca escondi que sou fa de carteirinha.


Assim e' que tendo recebido o livro ahi da foto `a esquerda sobre seu mobiliario — The Furniture of Sam Maloof, Jeremy Adamson/Jonathan Pollock, 2001 Smithsonian American Art Museum — mergulhei em sua leitura com prazerosa fome, daquelas de ler devagarinho e depois por vias das duvidas reler as partes mais envolventes. Inclusive, ocupado com a leitura da obra, embevecido com os relatos da vida e da obra do mestre, acabei imesmo por me afastar das lides com madeira, abandonei temporariamente a oficina, hehe.

Recomendo vivamente a leitura do livro, tanto para quem ja tem alguma familiaridade com o grande marceneiro e sua obra, quanto para quem dele so ouviu vagas mencoes. O autor centra-se no que diz o titulo, e relata a evolucao do mobiliario de Maloof incluindo com alguma minucia sua insercao no panorama  dos movimentos das artes e oficios no sul da California. Mas, se do autor ficam evidentes seus solidos conhecimentos sociopoliticos, por outro lado devo dizer se pode facilmente concluir que de marcenaria mesmo, de lidar com as maos, o autor pouco entende. Vejam, por exemplo:

Ha mencao, em multiplos paragrafos ao longo do livro, do afamado grande dominio que Mr. Maloof tinha do uso da serra fita e sua abordagem unica de efetuar sem qualquer modelo cortes livres com a peca no ar cortando sinuosidades em angulos compostos. E famosamente ha o relato, conhecidissimo, de como conseguia cortar dois bracos, direito e esquerdo, para uma cadeira de forma tao exata que, ao final, a diferenca entre eles era menor de um milimetro — utilizando como instrumentos de medida nada mais que o indicador e o polegar.

`A primeira vista o feito parece realmente assombroso, inacreditavel pericia. Mas ahi ha de se lembrar a serra fita era uma constante nos trabalhos do velho mestre e, mesmo ja idoso, ele continuava como sempre foi um workaholic, trabalhava rotineiramente de 10 a 14 horas por dia, 5 dias por semana, produziu centenas, milhares de moveis. E nao se pode esquecer a memoria muscular existe, e e' extremamente precisa: qualquer um de nos, ao contar dinheiro, detecta quando ha duas notas aderidas, ou quando duas folhas de um livro ficam 'coladas', nao e' verdade? Quero dizer, o feito notavel, a sabedoria da ponta dos dedos, como sabe qualquer artifice enrijecido na lide nao era talento inato (que ele tinha, e muito) mas, sim, fruto do trabalho.

Mas nao quero dizer o livro e' frio, um relato puramente analista. Pelo contrario, ha incontaveis relatos de casos personalissimos, recheados de empatia. Pinco um, por aperitivo...

Relata o autor:

Em fevereiro de 1986 Maloof deu um workshop em uma loja de artigos de marcenaria em Atlanta, Georgia. Um dos participantes era Jack Warner, um jornalista local relativamente conhecido que relatou sua experiencia em uma serie de quatro artigos cativantes que, sindicalizados nacionalmente, ajudaram a ampliar a fama de Maloof entre os marceneiros amadores de costa a costa dA Matriz. Na arrancada, declarou:

"A maneira mais simples e atraente de identificar Sam Maloof e' chama-lo o mais conhecido, o mais bem sucedido marceneiro do mundo — o sonho de todo o marceneiro de garagem feito realidade... mas ele esta tao distante dos marceneiros de garagem como eu, quanto Rubens estava do pintor de paredes do bairro."

Ao final dos dois dias de workshop Maloof tinha montado e dado forma, grosseira, a uma das que chamava cadeiras ocasionais de espaldar alto (do modelo mostrado, acabado, ahi nas fotos) e, na saida da demonstracao, convidou todo mundo a sentar nela. "Momentos como esse podem ser muito embaracosos", escreveu White mais tarde.
"Todo mundo se amontoa na volta sorrindo bestamente para o cara sentado, que nao raro se sente obrigado a oferecer alguma opiniao perspicaz sobre a coisa. Eu fui acho que o ultimo a sentar nela; demandou uma certa coragem.
Os assentos das cadeiras de Maloof sao longos e generosos; uma crista saliente no centro desestimula ficar-se encarapitado na beira, incita a gente a deslizar pelo assento levemente inclinado ate a profundidade oca do fundo. Chegando la, tem-se a sensacao de estar em um berco. Relaxe, e os sarrafos verticais apoiam a base de sua coluna e o cume ampara sua cabeca. Os longos bracos suportam firmemente seus cotovelos e seus dedos se curvam sobre as formas sutis das pontas. Desconfio que cada um das tres duzias de homens e mulheres neste seminario sentiu que Maloof tinha feito a cadeira pensando nele. A cadeira ainda estava rugosa e peluda das grosas e da serra fita; nem uma parte havia sido lixada. Mas ainda era a cadeira vertical mais confortavel que eu jamais experimentara — de madeira ou estofada."

O relato, quando o li, me fez lembrar de quando fiz minha imitacao da famosa cadeira de espaldar baixo de Sam Maloof. A surpresa de ver o 'enorme' tamanho do assento quando montado, me levando correndo a ver se nao tinha errado as medidas. A inacreditavel comodidade da desconfiada primeira sentada...




Como?

Isso nao esta parecendo uma critica, sequer uma mera recomendacao, mas a opiniao de um fanatico?

Nao. Nao esta parecendo.

E'!


domingo, 28 de agosto de 2016

O seculo de ouro da marcenaria

Uma conversa com um amigo, iniciada no batido topico de discussao entre vantagens e desvantagens do uso de implementos eletricos na pratica da marcenaria, nao surpreendentemente derivou para a tambem batida afirmacao o seculo XVIII foi o apice, o ponto mais alto da marcenaria na historia, nada tao bom foi feito em mobiliario antes ou depois dos 1700s...


Nao se discuta, os moveis de topo do sec. XVIII — com suas madeiras selecionadissimas de essencias pincadas a dedo, designs rebuscados, entalhados e esculpidos, cravejados de marquetarias e laminacoes e coroados por ferragens riquissimas, estofados com tecidos requintadissimos — sao resultado de uma mao de obra ultra especializada aplicada com esmero irretocavel.
Mas, apontei ao meu amigo como aponto agora a meus sete fieis leitores, para inicio de conversa esses moveis ultra requintados nao eram encarados como meramente moveis, mas como obras de arte que sao. Seus autores nao eram vistos como artifices, mas como artistas, comissionados pela nobreza, pela Corte, pela realeza — tempo e dinheiro fartos, coisas secundarias na contratacao e na producao dos mesmos. E entao, para continuar a conversa e para total — ah, nao! — incredulidade de meu amigo, apontei que moveis da mesma estirpe sao construidos hoje em dia, em uma fracao do tempo e por uma fracao do custo.

Os protestos, como e' facil imaginar, foram inumeros e intensos. E, como tambem esperado, nenhum argumento foi, como jamais podera ser totalmente conclusivo.

De qualquer maneira devo dizer ficou evidente, mesmo meu amigo nao querendo de jeito nenhum dar o braco a torcer, o prato que lhe ofereci foi bem indigesto: espiar um catalogo relativamente atual de uma firma especializada em moveis de luxo:

https://www.centuryfurniture.com/Catalogs/catalog-brochures/Monarch.pdf

Sao 132 paginas e tem coisas assim, por la:


A conversa, claro, continuou. E eventualmente voltamos ao tema: usar ou deixar de usar ferramentas eletricas, hehehe.

Assunto, quem sabe?, para uma bathora dessas...


terça-feira, 7 de junho de 2016

Geladeiras sem luz

Ja bem no inicio do seculo XIX iniciou-se uma industria de fornecimento de gelo a partir do nordeste dA Matriz, mais especificamente da Nova Inglaterra, para os estados mais ao sul e entao para os paises do Caribe. Na Europa o exemplo foi copiado pela Noruega em menor escala, e um negocio planetario estabeleceu-se e cresceu constantemente. Consta que em 1880 o morador urbano medio dos Estados consumia uma tonelada de gelo por ano.

Com isso, ja no comeco do seculo XX estavam estabelecidas redes de distribuidores urbanos de gelo e, nas casas, as chamadas ice boxes ou geladeiras, caixas desenvolvidas para armazenar o gelo e onde colocar-se alimentos. Consistiam essencialmente de um movel com paredes duplas, de madeira por fora e internamente de metal (zinco ou estanho, geralmente), com o oco preenchido com um isolante, mais usualmente serragem, maravalha de madeira. Eventualmente tornaram-se, de simples caixas, em moveis com porta, contendo no alto um compartimento onde colocar o gelo e outro, ou outros, abaixo e/ou ao lado onde colocar-se os alimentos e bebidas que se desejava manter a temperatura mais baixa. A agua do degelo era coletada em um tubo e drenada para o exterior, por uma torneira, ou para uma vasilha ou bandeja de evaporacao, ou nos lares mais abastados drenado para o esgoto.

Os moveis, de inicio bem simples como o modelo noruegues ilustrado `a esquerda, foram evoluindo, passando a ter uma porta frontal para o gelo ao inves do alcapao superior e eventualmente tornando-se moveis de alto esmero, com ricas ferragens e eventualmente incluindo mesmo interior aloucado...



Tambem la pelo raiar do sec.XX, Germano Steigleder Sobrinho resolveu fabricar essas geladeiras na sua entao industria de carpintaria — originando o que viria a ser, aqui no portinho, uma das primeiras fabricas de eletrodomesticos de pindorama e que perduraria ate os 970 quando foi submergida pelas, mm, peculiaridades da politica economica entao exercida pela ditadura.

Sob a marca Steigleder foram produzidos inumeros exemplares em variados modelos desses moveis para refrigerar alimentos e bebidas `a base de gelo. Um desses modelos, como mencionei, inclusive foi parar na casa de meus pais, do qual guardo vaga, esfarrapada memoria...


Agora entao, querendo aproveitar as ferragens mencionadas na postagem anterior para tentar construir uma replica de uma dessas maquinas de antanho, ocorreu-me solicitar o auxilio de Tio Gu e sua cornucopia de informacoes para reavivar aquela memoria.

Encontrei imagens de modelos simplesinhos, de porta unica e de 'carregar' por alcapao no topo, construidos com pinho (Araucaria), uma madeira entao tao barata quanto agua, outros mais refinados em madeira de lei, outros ainda com duas portas, todos seguindo, como era de se esperar pela ascendencia do fundador, muito mais as linhas enxutas dos modelos europeus do que os requintes dos Grandes Irmaos.

Sem enfeites, em pinho

Mais elaborado. Em imbuia? Ou itauba? Ou...?

Em pinho, com duas portas e torneira para drenagem

Duas portas, com bandeja de evaporacao entre os pes. Pinho?
Mais adiante encontrei imagens de um modelo restaurado de duas portas semelhante ao acima, mas mostrando inclusive o interior com suas placas de zinco e as prateleiras de arame no compartimento inferior.






























Indiscutivelmente a cor e os detalhes do compartimento inferior eram, nao exatamente iguais mas, bem semelhantes ao que minha memoria guardava da geladeirinha da minha infancia. Mas, nitidamente recordo, aquela era de uma unica porta e de 'carregar' por cima, com tampa em alcapao.

Mais umas conversas com Tio Gu e acabei encontrando o exato modelo. Todavia quem resolveu restaurar o pobre movel optou por reproduzir nele as pinturas que no inicio do seculo eram empregadas para propagandear nA Matriz o mais famoso dos refrigerantes de cola.

A cor um pouco 'amainada'

A cor original
Para mim... Sacrilegio!

E de doer nos olhos, tanto que manipulei a imagem para arrefecer um pouco a vermelhidao e permitir ao menos alguns detalhes da superficie ficassem mais visiveis. Mas, com toda a certeza, e' o exato modelo da minha casa de guri, exceto por as ferragens serem douradas, ao inves de niqueladas como no original.

(Apesar do 'pecado' na pintura, fico grato ao Cristian Michielin, o artesao catarinense que restaurou o movel e que inclusive disponibilizou um video no YouTube mostrando o antes e o depois:
https://www.youtube.com/watch?v=sh6mMxRgfFc )



Mas se minhas costas machucadas justificam o longo periodo em conversas com o Tio, e tudo, e tal, alguma atividade ha de haver. Entao, criei coragem, cortei e aparelhei um pranchao de itaubao para dar inicio aos trabalhos e fiz a tao adiada como necessaria limpeza na 'oficina'.


`A esquerda na foto, as madeiras aparelhadas; `a direita os sacos da limpeza. O mais claro, de 100 litros, com o lixo, o mais escuro, de 50, com as maravalhas das plainas, guardadas porque possivelmente minha cadela vai ter ninhada ainda no inverno, o frio por aqui esta bem acima da media e maravalha — como o pessoal que lidava com gelo sabia bem — e' um excelente isolante para 'atapetar' o ninho dos eventuais cusquinhos, quando chegarem.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Mesa cereja - um pouquinho torta

O passo seguinte na confeccao da mesa cereja, claro, era fixar a prancha de cedro com bordos naturais aos pes. O problema aqui era o fato de a prancha nao estar aparelhada, apresentando variacoes em todas as suas dimensoes e, obvio, nenhum lado reto. A solucao indicada pelo meu grande conselheiro foi conseguir uma, pelo menos uma, referencia confiavel, e a referencia apontada foi tracar a linha de centro da prancha.

A linha central da prancha marcada em ambas as faces serviu como referencia para fixar uma regua e, usando dois esquadros e um compasso nao foi dificil marcar e entao cortar entalhes esquadrejados onde encaixar e entao fixar com parafusos os pes da mesa `a prancha.

Utilizando grampos para fixar os pes nos seus lugares e niveis para acertar prumo e nivel, depois de aplicar cola PUR nos encaixes mandei ver os oito parafusos. Notei, quando alguns parafusos 'chamaram'— no aperto final, a parafusadeira estalando a embreagem — algum movimento houve nos pes. Uma conferencia rapida no entanto, e tudo estava em ordem, reto, alinhado, nivelado, no prumo.

Uau, aleluia! Toda gloria ao Santo Travesseiro! Olhando a coisa depois da remocao dos grampos... nada mau, hein?

Todavia, conhecendo bem as artimanhas do Murphy — e, sinceramente, sabendo que eu nao tenho essa bola toda, hehe — eu ja imaginava aquelas mexidinhas na hora do aperto final dos parafusos nao iam ficar de graca. Revisando minuciosamente o resultado sem o atravancamento dos grampos e com a cola seca, reparei os angulos fugiam do reto. Pouca coisa, par de graus aqui, um e meio ali mas, reto, reto nao, nao estavam.

Mas, convenhamos, ninguem vai analisar no dia a dia uma mesa com esquadros e niveis, nao e' mesmo? E, tudo bem, talvez ate haja alguem com olhos capazes de detetar desalinhamentos de um a dois graus. Mas, aos olhos do meu cliente a coisa ate que estava muito boa, hehehe.

So que sei bem, se os olhos se deixam enganar, a madeira nao. E eu tinha ainda de construir a moldura para o tampo, e aqueles poucos graus certamente iriam causar desencontros nas juncoes, frestas que ate um cegueta iria ver a dezenas de metros.

Minha ideia original era construir a moldura do topo separada da base e depois de pronta aparafusa-la no cimo das pernas. Com os desalinhamentos no entanto, esse metodo seria receita garantida de cacaca! Resolvi entao que iria construir a moldura no lugar, sobre as pernas, sem esquadro e tirando as medidas pelas proprias pecas, e tomara que os demonios todos tenham ido dormir.

Assim, aparelhei e dimensionei os lados longos da moldura em duas ripas de marfim-mara e, apoiando as ditas cujas sobre as pernas, marquei e entao cortei nelas um rebaixo raso nas areas de contato. Com isso, consegui um posicionamento estavel para as laterais e, variando profundidade e angulo dos rebaixos conforme a necessidade, pude garantir as pecas ficassem bem niveladas. Uma vez garantido o nivel, fixei as laterais `as pernas com parafusos. Hora de posicionar os lados curtos.

Sabendo que os lados curtos nao ficariam exatamente esquadrejados, uma serie de possiveis encaixes foram descartados a priori. O metodo que me pareceu mais eficaz para fazer emendas consistentes — e fora de esquadro — foi copiar a tecnica muito utilizada pelos irmaos Greene do encaixe de caixa com tres dentes, com o malhete macho nos lados curtos.






Fiz os cortes para os malhetes empregando a serra fita. Nas femeas, retirei o segmento do meio, com bedame. Nos machos, serrei fora os segmentos laterais com serra manual. Para marcar angulos e profundidades fiz uma primeira marcacao fixando as laterais longas com os parafusos e posicionando as laterais curtas no lugar que desejava e marquei as posicoes com lapis. Cortei os malhetes femeas por essas marcacoes, voltei a fixar as laterais longas nas pernas e tornei a conferir angulos e posicionamentos para as laterais curtas, marquei e entao cortei os machos por essas marcacoes.


Como talvez seja mais facil entender vendo as fotos abaixo...

Cortando o segmento central de uma lateral longa, com bedame

O segmento central removido de uma lateral longa

Uma lateral curta colocada sobre uma longa para conferir posicao e angulos, antes de cortar os segmentos laterais
para formar a espiga da ensambladura

A pequena diferenca de angulo; a linha mais escura o angulo desejado, a linha mais clara o angulo reto

O encaixe feito. Note-se a pequena diferenca de angulo
representaria uma indisfarcavel fresta


Na porcao central da moldura foi posicionada uma trave fixada com um encaixe 'quase' a meia madeira, passante. (Por razoes esteticas eu originalmente tinha pensado em utilizar espiga e fura passante, mas estruturalmente a opcao final me pareceu mais apropriada.).


E com isso a estrutura toda da mesa foi completada e efetuei uma primeira montagem seca, o que ja da os ares do aspecto final do novo movel...


Bueno, agora partir para a montagem final, a colocacao do tampo na moldura, os aderecos, o refinamento fino do acabamento, incluindo correcao/tapeacao dos erros que ainda permaneceram visiveis, e tudo, e tal.

Qualquer bathora dessas...


sábado, 11 de abril de 2015

De volta `as madeiras vagabundas

Tenho eventualmente postado alguns comentarios sobre o uso das chamadas madeiras vagabundas, essencialmente pinus, cedrinho e eucalipto. Obviamente o conceito do que e' uma madeira vagabunda e o que e' madeira nobre e' vago, impreciso e ainda por cima variavel.

Portas em pinho de Riga


Apenas para salientar essa, mm, variabilidade, veja-se o chamado pinho de Riga.

Ha inumeros exemplos do uso dessa madeira considerada nobre na confeccao de, por exemplo, aberturas exteriores e moveis finos como exemplificado na imagem `a esquerda e na postagem do link abaixo:
http://acordacasa.com.br/2012/06/08/classe-e-estilo/

Mas se esse lenho (Pinus sylvestris) por aqui e' considerado nobre, na Europa de onde vem (Riga, a proposito, sendo a capital da Letonia, um dos portos principais por onde essa essencia era e e' exportada) e' madeira vagabunda. Tanto que e' muito utilizado para encaixotar mercadorias para viagem — como, lembro, as caixas onde na minha infancia vinham embalados os bacalhaus noruegueses e portugueses — e, na epoca dos navios a vela, essa madeira era muito utilizada como lastro, no fundo dos poroes, que era descartado nas praias quando os navios carregavam esses poroes com mercadorias. Ou seja, por la a consideram madeira tao vagabunda quanto por aqui consideramos o pinus.

Ja desse nosso vagabundissimo pinus no entanto (Pinus eliottii e P. taeda) na sua origem, nA Matriz onde atende por southern yellow pine, diz-se por exemplo que "e' conhecido como uma das mais fortes, mais resistentes especies de madeira (e) e' uma escolha ideal, tanto para profissionais da construcao civil, como para praticantes de bricolagem" .


De igual forma, nosso eucalipto tao desprezado e condenado como instavel, intratavel, e' exportado como Lyptus® e anunciado como um excelente substituto para o mogno!


Tudo isso aparentemente como confirmacao de que a grama do vizinho e' sempre mais verde do que a nossa ou, mais provavelmente, porque o que e' mais barato, por mais abundante e acessivel, e' usualmente desprezado...



De qualquer maneira, pensando em construir ainda mais uma mesinha para minha cozinha resolvi mais uma vez empregar pinus na construcao, nao so pela leveza e preco, mas para demonstrar sua aplicabilidade e principalmente por, para meu gosto, sua beleza.

Uma madeireira aqui perto da qual sou fregues habitual disponibiliza pranchas brutas bem secas de pinus de 5x30x270cm — prioritariamente para a construcao civil, e' claro. Essas pranchas, muito provavelmente por serem secas sem qualquer cuidado (afinal, trata-se de madeira o que ha de vagabunda), vem usualmente com praticamente todos os tipos de empeno. E com varias rachaduras, muito provavelmente porque por razoes economicas a serraria as envia contendo a medula (o que os Grandes Irmaos chamam pit), o anel mais central do tronco cuja presenca, por razoes que agora nao vem ao caso, invariavelmente tende a produzir rachaduras radiais. Por brutas, empenadas e rachadas, essas pranchas custam barato, bem baratinho, consideradas as dimensoes.

Nas imagens ao lado as setas vermelhas apontam a medula nas tres pranchas de pinus e, se clicadas para ve-las em maior resolucao, nao e' dificil ver, nem a nitida rachadura na prancha mais inferior, nem as rachaduras menores que se irradiam das medulas. Estao tambem marcados varios quadrilateros em verde. O que esses quadrilateros delimitam grosseiramente sao seccoes onde os segmentos dos aneis como que cortam perpendicularmente as pranchas, indicando os veios correm paralelamente `a superficie das tabuas.

Isso e' o que os Grandes Irmaos chamam quarter sawn, e taboas com veios nessa configuracao 'trabalham' pouco, quase nada se movem com variacoes de umidade, atingem maxima estabilidade.


Vai dai que cortei justamente dessa area de uma dessas pranchas quatro ripas para fazer os pes da futura mesa e as aparelhei nas plainas em largura e espessura. Essas ahi na imagem abaixo, na frente do saco contendo as maravalhas resultantes das plainagens, e atras das taboinhas que resultaram de ajuste das dimensoes desejadas na serra de bancada.


Agora, aguardar um dia para confirmar se ficarao mesmo estaveis, e partir para a construcao da nova mesa...


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Polidor — construcao e uso

Na postagem imediatamente anterior eu havia mencionado desejava aplicar no estojo para iPad um acabamento so com oleo e cera, e a intencao era usar uma politriz eletrica no final. Mas ahi veio a memoria de um instrumento que eu tinha visto usar na minha infancia: um polidor...



Tanto quanto pude averiguar, aparentemente e' uma das tantas coisas que vieram do Extremo Oriente e foram 'adotados' no Ocidente. Um entre varios exemplos orientais pode ser visto ja no inicio deste video coreano, no caso utilizado para nao apenas dar polimento `a madeira como para remover o que resultou carbonizado no processo:


Por ser varias vezes citado em L'Art du Menuisier — a biblia da marcenaria ocidental, publicado em 1769 por M. Andre Jacob Roubo — nos dias que correm o instrumento e' por varios autores modernos chamado polissoir e muitos pensam mesmo tratar-se de uma invencao francesa. Eu chamo de polidor, mesmo.

Mas como certamente um polidor nao e' algo que se encontre no comercio de pindorama (nA Matriz se acha sim, mas posto aqui acaba ficando ao redor de uns miseros quatrocentos reais), resolvi juntar o util ao agradavel e ao divertido e fazer um eu mesmo.

Comecei por comprar uma vassoura de palha no supermercado. Uma fortuna: treze reais.
 Ahi, tratei de desmontar a vassoura e 'capturar' a palha:

Primeiro passo: remover as 'costuras' de plastico

A seguir, cortar o arame

Removida a primeira camada, a 'saia' que fica por fora

Desdobrado o 'miolo' das palhas, a parte que da formato `a vassoura

Cortada fora a palha, em tres macos: a saia, o miolo e finalmente o centro


O miolo cortado foi para o lixo, o cabo guardei; e' certamente algo que eventualmente sera util. A seguir, peguei todas as palhas do centro e algumas do miolo, cortei ao meio e montei um feixe com uns 15cm de comprimento que, bem apertado, ficasse com uns 5cm de diametro.

As palhas cortadas ao meio



O feixe e' montado e bem espremido utilizando nos 'jiboia', ou constritores, com barbante

Como dar o no 'jiboia', ou constritor

O espaco entre os barbantes generosamente ensopado de cola branca
e deixa-se secar por uns minutos, para a cola penetrar
O barbante, sempre molhado em cola, e' bobinado bem apertado,
desde logo antes do primeiro ate depois do terceiro no
Deixado secar uns minutos, bobina-se no sentido contrario uma outra camada de barbante
cobrindo a primeira; o resto da palha foi guardado para possiveis futuros polidores, hehe

-- ooOoo--

Deixada a cola secar ao toque, as pontas do polidor
sao entao aparadas, com um estilete







A etapa seguinte apos aparar as pontas, consistiu em mergulhar ate saturar uma das pontas do polidor com cera de abelha liquefeita em banho-maria. Ha quem sature ambas as pontas, mas eu prefiro deixar uma seca mesmo.




A ponta saturada, removido o excesso de cera

A ponta 'seca'
A razao de manter uma ponta seca e' o polidor tambem apresenta muitos bons resultados mesmo aplicado seco, sem cera, direto na madeira. A palha comprimida nao e' dura para arranhar, mas e' suficientemente rigida para comprimir os veios superficiais, dando por assim dizer uma 'superaplainada' que deixa a superficie, mesmo crua, brilhante. Como talvez se possa ver nas imagens abaixo:




Um pedaco de imbuia (o recorte removido da camada do centro do estojo) usado para umas 'acertadas' nas minhas estrategias de aplainamento — como se pode ver pelos inumeros defeitos provocados.



A porcao direita da taboinha esta so aplainada, no centro foi polida com a ponta 'seca' do polidor e na esquerda com a ponta com cera. A imagem `a esquerda e' uma vista bem vertical, de topo; a da direita, com suficiente inclinacao para refletir um pouco o sol. (As diferencas entre os tres 'acabamentos' ficam mais evidentes se as imagens forem clicadas — o que como sempre as abre em maior resolucao.)

Como imagino se possa verificar, aplicar o polidor pelo lado 'seco' da quase tanto brilho quanto com o lado com cera, e com a caracteristica de nao mudar em nada a cor da madeira crua. (A parte com cera pode ficar ainda mais brilhante, dizem, aplicando outras camadas cada vez com mais pressao, e ao final polindo com politriz. Eu nunca testei.)

-- ooOoo --

Mas entao, pronto e funcional o polidor (e custando menos de R$ 20 no total), hora de aplica-lo no estojo de que tratamos na postagem anterior. Eis os resultados:





E para 2014 era isso. Ate o ano que vem, aproveitem bem as festas!