quarta-feira, 26 de junho de 2013

Acessorios para bancada — III

(lembrando que, como sempre, clicar as imagens abre copias com maior resolucao quando disponiveis)

O terceiro acessorio para bancada que construi aproveitando o "recesso de inverno" e' de uma outra estirpe. Enquanto os dois acessorios antecedentes aparentemente tem suas origens no seculo XVI (ou XVII, ha controversias), este e' mais recente; os primeiros relatos de seu uso situam-se por meados do seculo XIX, inicio do sec. XX, embora haja quem diga que so comecaram a adquirir popularidade com o advento das plainas de corpo metalico, nos mil oitocentos e sessenta e poucos. Sim, porque mais do que um acessorio para bancadas, esse e' um acessorio para ser usado com plainas — para apurar bordos, tanto os de veios longos, como os topos de veios curtos. E, ao contrario dos dois que apresentei nas postagens anteriores, dedicados fundamentalmente a melhorar/facilitar a pegada de mao, esse e' um instrumento de precisao.

Como o bench hook, igualmente desconheco seu nome em portugues, se existe. Entao vou usar o termo ingles: shooting board.


Tem fundamentalmente dois usos principais.


O primeiro e' remover irregularidades dos bordos. Mais comumente as marcas deixadas por serras, como ilustrado nas fotos `a esquerda, mas qualquer especie de irregularidades, incluindo mesmo as deixadas por plainas, manuais ou eletricas, como desempenos e desengrossos. A intencao — e o resultado — e' obter-se um bordo absolutamente reto e absolutamente regular, lisinho.


O outro uso mais comum e' obter-se angulos exatos. O mais frequentemente desejado e' o esquadro, o angulo reto; e com o instrumento devidamente setado e' o que se consegue com muito boa precisao. Mas de diferentes formas e' possivel setar quaisquer outros angulos, mais comumente a meia-esquadria, o angulo de 45°, e igualmente obte-los, consistentemente e com muito boa precisao. E isso em qualquer dos bordos, longo ou de topo.



Mas melhor do que ler dos diferentes tipos construtivos e acessorios para shooting boards me parece dar uma olhada no video ahi abaixo. Em ingles, como desgracadamente e' a regra, trata-se de uma revisao, feita por Mr. Shannon Rogers, do Super Chute 2.0, um modelo completissimo de shooting board construido por Mr. Tico Vogt, mas tendo a vantagem de comecar por uma consideravelmente ampla e didatica descricao de modelos e usos desse intrumento:




Em tese, qualquer plaina com o lado em esquadro com a sola pode ser usada em um shooting board. Mas — a testemunhar quao frequente e quao pesada a utilizacao do acessorio nos paises mais adeptos `as artes da marcenaria — praticamente todos os fabricantes de plainas, de corpo de madeira inclusive, mas principalmente os que as construiam e constroem com corpo de ferro, tem um ou mais modelos desenvolvidos e criados especificamente para serem empregados em shooting boards, geralmente denominados, em ingles, mitre ou miter planes e shooting planes, como por exemplo essas duas ahi abaixo, baseadas nos modelos classicos de Norris do final do seculo XIX e nitidamente adaptadas para serem usadas de lado, em um shooting board.


No inicio do seculo passado a Stanley Tools, adquirindo o uso das patentes e popularizando os modelos de plaina inventados por Mr. Leonard Bailey, transformou-se na maior fabricantes de plainas da Historia. E, claro, desenvolveu sua shooting plane.

Stanley® combo, #51 + #52 



Alias, nao apenas sua shooting plane, como tambem seu shooting board metalico, os modelos #51 e #52, cuja producao cessou nos anos 40 do seculo passado, mas ainda hoje cobicados por marceneiros e colecionadores mundo afora.

LN No. 51 Shoot Board Plane































E cobicados nem tanto por sua raridade como por sua otima usabilidade. Tanto e' assim que a empresa americana Lie-Nielsen desenvolveu recentemente sua replica, com melhoramentos, dessa plaina Stanley, a LN No. 51 Shoot Board Plane — vendida hoje nA Matriz pela bagatela de U$500!

(Nao, a empresa ainda nao fabrica o shooting board metalico, No. 52, mas afirma estar nos planos para breve. Sinta-se livre para imaginar por que preco sera colocado no mercado, hehehe.)

Mas se voce acha que a Lie-Nielsen esta exagerando nos precos, acredite: voce esta muito enganado. Os fabricantes artesanais de plainas, produtores de verdadeiras joias, como Mr. Philip Marcou na Nova Zelandia e Mr. Karl Holtey na Inglaterra (este, o "Pai de Todos"), eles tambem produzem plainas para uso em shooting boards. So que o custo ahi vai a varios milhares de dolares...

Holtey A11 Mitre Infill Plane

Marcou M12 Bevel up Mitre plane

Bom, nao sei voces, meus sete fieis leitores, mas esses argumentos me levaram inescapavelmente `a conclusao eu simplesmente TINHA de construir um shooting board para mim. E foi o que fiz. Utilizando, claro, o metodo simples, cola, parafusos e restos de madeira — inclusive um pedaco de MDF!

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Mesmo sendo de construcao simples, e' um instrumento de precisao e portanto certos angulos e' melhor estejam no esquadro:



Tudo montado e conferido, e' hora de passar a plaina, com corte fino. A lamina ira cortar apenas ate a fundura do corte; a parte lateral da sola restara encostada no batente e nao permitira a lamina ir mais fundo.


E, nisso, o shooting board esta pronto para o uso...

terça-feira, 25 de junho de 2013

Acessorios para bancada — II

O segundo dos acessorios seculares de bancada que construi aproveitando o "recesso de inverno", na verdade eu ja havia construido: Uma morsa de dois parafusos, cujo processo construtivo inclusive relatei em uma postagem anterior.



Agora no entanto construi uma versao menor, mais portatil digamos. Utilizado ja em meados do seculo XVII esse acessorio, especialmente nessa versao em tamanho reduzido, e' referenciado como sendo muito util para posicionar pranchas de forma a possibilitar trabalhar seus lados, tanto os de fibra longa, como os de fibra curta (topo).

De fato, mesmo solta sobre a mesa a pequena morsa de dois parafusos permite colocar-se tabuas de pe apoiadas em um lado, como mostrado nessas fotos ahi ao lado, como igualmente permite se coloque taboas em pe verticalmente, apoiadas no topo, como se pode ver nas fotos mais abaixo.





Alem desse valioso auxilio no posicionar pecas, a pequena morsa certamente oferece ainda muitas outras utilidades como, por exemplo, pode ser utilizada como um — muito potente! — grampo.

Leve, pequena, extremamente portatil, extremamente util, e extremamente simples de construir com sobras. Uma mao na roda!



-- oOo --


O unico inconveniente e' o fato de utilizar parafusos de madeira, e parafusos de madeira terem-se tornado uma raridade, uma arte em extincao aqui por pindorama. Obviamente, nada proibe se utilize barras rosqueadas e porcas, apesar do passo mais fino da rosca poder tornar a operacao da morsa um pouco mais demorada. Tampouco nada proibe se utilize a criatividade para contornar o problema, hehe.

(Alias, num colateral, descobri esses dias uma tecnica para construir parafusos de madeira com qualquer diametro, e com qualquer passo de rosca desejado. Quem sabe uma vertente para abordar em futuras postagens?...)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Acessorios para bancada — I

Ha diversos uteis acessorios para emprego em bancadas de marceneiro que vem sendo utilizado literalmente ha seculos em paises com tradicao em marcenaria mas que por razoes que nem vem ao caso sao pouco conhecidos, ou mesmo desconhecidos pela maioria aqui por pindorama.

Aproveitando o que chamo "recesso de inverno" — quando o frio e a umidade, mm, convidam a adiar-se  projetos mais extensos — decidi construir alguns desses simplissimos implementos para meu uso e pensei talvez algum dos meus sete fieis leitores pudesse igualmente encontrar uso para as geringoncas.

E ja ao iniciar o relato do que seja e como usar o primeiro desses centenarios ajudadores me deparo com o primeiro problema: nao sei como se chama em portugues. Se alguem souber, eu ficaria muito grato pela informacao, mas ate entao vou utilizar mesmo a nomenclatura em ingles: bench hook.

Extremamente simples e faceis de construir, utilizando restos de madeira, sao extremamente uteis. Esse video ahi abaixo mostra Mr. Roy Underhill apresentando para comeco de conversa varias das principais utilidades do acessorio como usualmente montado e entao, sendo Mr. Roy Underhill, passa a um projeto historico.

O video infelizmente e' em ingles (como e' regra, muito infelizmente), mas imagino mesmo quem nao entenda o idioma podera se beneficiar assistindo `as imagens.


Da minha parte, optei pelo metodo simples e fiz dois bench hooks com uns restos de compensado, cedro e pinho, fixando as partes com parafusos e um pouco de cola. Fiz entalhes para cortes a 90° e a 45° e, como uso praticamente sempre serrotes japoneses, priorizei o posicionamento para serrar puxando, embora os acessorios possam perfeitamente ser utilizados igualmente para serrar empurrando:


Obviamente os bench hooks, alem dos usos apresentados, tem inumeros outros, principalmente visando proteger o tampo da bancada, para furar, cortar, lixar, acabar pecas, entre outros.

Uma demonstracao desses outros usos levados a um extremo e' o exemplo ilustrado abaixo.
Mr. Peter Follansbee constroi apenas utilizando tecnicas do seculo XVII; adora empregar machadinha para modelar suas pecas. Afilando cavilhas com machadinha em seu bench hook obteve esse resultado ahi...


Problema nenhum, na verdade. Alem de muito uteis, esses acessorios sao facilmente substituiveis...

terça-feira, 18 de junho de 2013

Outro malho

Nos moldes do primeiro malho misterioso fiz outro, adicionando um pouco mais de, mm, misterio...




O desafio esta ainda em pleno andamento no forum Madeira! Havendo interesse, ou curiosidade, e' so dar um pulo la: http://xilofilos.com/viewforum.php?f=57

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Guardando ferramentas

Acontece todo ano: o inverno.

Nessa continental pindorama, o inverno tem caras muito diferentes conforme a regiao. Aqui no portinho, paralelo 30 grudado no vasto Lago Guaiba, embora a fama maior seja o frio o brabo mesmo e' a umidade. Especialmente para marceneiros...


O ano todo, certas ferramentas necessitam cuidados especiais contra a oxidacao, a ferrugem. Muito especialmente as ferramentas manuais de corte, plainas, formoes, goivas, etc. A recomendacao universal no trato dessas preciosidades e', independente de clima ou estacao, depois de usa-las limpa-las meticulosamente e entao passar um pano saturado de oleo — o que alguns Grandes Irmaos chamam woobie (lembram os Peanuts, do Schultz? o cobertor do Linus era um woobie) — antes de guarda-las em lugar que nao pegue po. Nem umidade, claro.

Por boa medida, como relatei em postagem anterior, justamente para proteger essas ferramentas muito suscetiveis `a ferrugem eu lhes construi um armario especial onde fica sempre ligada uma lampada de 25W para 220V ligada em 110, so para dar um calorzinho la dentro e manter a umidade mais baixa.

Exagero? A umidade relativa aqui raramente fica abaixo de 80%. No inverno nao apenas a media fica mais acima, mais ao redor dos 90%, como alguns dias ocorre uma infeliz combinacao de condicoes climaticas que resulta em a temperatura das paredes acabar ficando abaixo, bem abaixo do ponto de orvalho. O resultado e' que as paredes 'choram', vertem, escorrem agua.

Esse painel da foto ahi `a esquerda ja varias vezes ficou literalmente ensopado. A maioria das ferramentas nele resiste bem `a oxidacao e quando acontece o fenomeno, a providencia que adoto e' usar o soprador para dar uma secada, remover a agua condensada por cima de tudo e entao aspergir tudo fartamente com WD-40. E, claro, se alguma ferramenta vier a apresentar uma quantidade mais critica de oxidacao, recebe atencao particular. (Exceto o serrote, que nao uso, nunca usei, nem vou usar, de tao ruim que e'.)


As ferramentas motorizadas tenho o habito de guardar em suas embalagens, e as embalagens dentro de um armario (tenho dois; esse ahi da foto e outro). A rotina depois de usar uma maquina dessas e' limpa-la bem com o soprador, remover mecanicamente qualquer coisa que reste aderida, e coloca-la na sua embalagem. Uma a duas vezes por ano vai uma pulverizacao da maquina com M1, ou RostOff, ou qualquer microoleo desses,  antes de fechar a embalagem.

E' um saco! Realmente e' um saco ter que 'montar o circo' a cada vez, tirar as embalagens do armario, tirar as ferramentas das embalagens, montar e setar para uso, e depois reverter todo o processo, toda vez, a cada projeto.

E nao, nao sei se e' preciso mesmo isso tudo.
Sei la, hehe. Vai ver sou meio maniatico mesmo...


Um outro problema, nao exatamente de guardar mas de manter as ferramentas, tem a ver com as maquinas estacionarias. As que tem rodizios, guardo em pecas fechadas, usualmente cobertas com um plastico.

O torno grande, a serra de mesa, a serra de fita e o desempeno, nao tem jeito. Ficam mesmo na parte aberta da 'oficina', praticamente ao ar livre. Nao chega a chover em cima, claro, mas como ja comentei algumas vezes minha 'oficina' e' um retangulo com dois lados totalmente abertos. E essas maquinas tem tampos ou barramentos de ferro que oxida so de olhar.

Nos meses quentes, com projetos andando, e' so manter os tampos bem encerados com cera sem silicone, eventualmente remover uma manchinha com bombril, e boa. Mas quando chega o inverno, em primeiro lugar a lide diminui bastante. Eu nao tenho o menor gosto de ficar na 'oficina' quando esta chovendo e/ou fazendo frio 'de renguear cusco', que louco eu talvez seja, mas burro penso que nao.

O que faco — o que alias fiz ontem e acabou inspirando essa postagem — e' "retirar" essas maquinas de uso. Os tampos, as areas de ferro exposto sao criteriosamente limpos, primeiro com uma vassoura, depois com o soprador e entao com querosene ou aguaraz e uma estopa. Seco tudo com papel toalha e, onde houver ferrugem, aplico lixa G400 ate tirar. Depois, passo um bombril por descargo de consciencia, um pano seco e pulverizo tudo com WD-40 que e' um eficientissimo removedor de agua (WD = water displacement). Torno a secar, sem exageros, com papel toalha e borrifo bem com um microoleo, usualmente M1 ou RostOff. (Ja usei Boeshield T9, mas e' bem mais caro e nao notei qualquer diferenca no resultado.) Imediatamente apos a borrifacao, com a superficie do tampo ainda brilhando cubro com plastico fino, apertando sem exageros para tirar o ar e coloco uns paus para evitar o vento mova o plastico.



Na hora de usar de novo as maquinas e' so tirar o plastico. Usualmente nao e' preciso, mas se por qualquer motivo achar que os restos de oleo possam prejudicar o acabamento das madeiras, e' so passar uma estopa com solvente ou aguaraz e boa.

-- oOo --

Mas, claro, considerando-se a inevitabilidade de Murphy e a implicancia de Pedro, isso tudo ate pode dar uma ajuda, uma protegida. So que garantir, seguramente nao garante, NADA garante contra a ferrugem. Entao e' bom manter sempre municiado o arsenal...



terça-feira, 4 de junho de 2013

Malho misterioso



Parte de um desafio promovido no Forum Madeira!, construi esse "malho misterioso" da foto acima. O misterio se refere ao estranho malhete em ambos os lados, uma cauda-de-andorinha que bloqueia o encaixe no eixo longitudinal e igualmente uma cauda-de-andorinha que bloqueia no eixo lateral. Absolutamente fixo, nao escapa por lado nenhum.

Mas... espera ahi!

Se nao escapa por lado nenhum, entao como e' que monta? E' uma emenda impossivel, tanto quanto se possa ver.

Pois e'. Depois de perseguir os metodos construtivos do quebra-cabecas por par de anos, agora consegui contruir um. Cheio de imperfeicoes, claro, e empregando materiais nao propicios para a finalidade (para que pode servir um malho com cabeca feita de pinus?), mas o importante e' o aprendizado da tecnica.

Se parecer interessante, o desafio esta rolando e nesse thread do Forum Madeira:
http://domrs.com.br/forum/viewtopic.php?f=22&t=1673
acredito haver suficiente informacao — inclusive um passo-a-passo da minha execucao do projeto — para qualquer um, querendo, poder construiu um malho desses, de qualquer tamanho, com quaisquer madeiras.

E quem quiser participar, e' so se inscrever no forum e comecar as experimentacoes, ou trocar o quanto queira de figurinhas conosco.

Isso ahi. Ficam os convites.

domingo, 2 de junho de 2013

Valete IV

Apesar das interminaveis implicancias do velho Pedro, consegui terminar o valete...










As travessas foram emendadas nas laterais com parafusos. Depois de devidamente lixadas as pecas ate grana 220 soprepus as laterais o mais exatamente possivel e fiz furos passantes onde queria colocar as travessas. Nas travessas, uma vez dimensionadas, fiz furos guia utilizando as proprias marcas de centro do torno. Ahi foi so colocar um pouco de cola nos furos guias e aplicar os parafusos.














Uma vez montado o valete, apos nova lixagem de ajustes escureci com uma demao de cupinicida pigmentado (Jimo® marron) e apos apliquei tres demaos de goma laca com cera procurando uma aparencia de movel usado, para combinar com os outros moveis do quarto.




E assim ficou a obra, concluida e em uso: