domingo, 23 de outubro de 2011

Reformando em massa

Nao poucas vezes afirmei aqui e alhures, e volto a afirmar: nao sou marceneiro. Sou curioso. A carne e o sangue da pratica da marcenaria (como, alias, vale para praticamente todas as profissoes) e' refinar progressivamente cada projeto, corrigindo aqui, aperfeicoando ali ate consolidar-se no melhor possivel. Eu definitivamente nao tenho paciencia para isso. Eu gosto e' da brincadeira...

Quando, como relatado aqui anteriormente, decidi reformar uma das cadeiras da minha mesa de refeicoes, a ideia me pareceu deveras interessante e, para o meu gosto, o resultado certamente valeu a pena. O que eu nao sabia e' que tinha criado um monstro!

A cadeira reformada ocasiona quase sempre a mesma reacao em quem me visita: primeiro estranham muito o formato e, os sinceros, afirmam peremptoriamente que gostam mais do design original. Ate que sentam em uma e noutra. Ahi comeca o coro: "Mas tu tens que reformar as outras, essa e' muitissimo melhor." Nascido, lavado e enxaguado em preguica, fui sempre arranjando escapatorias, mas recentemente um prolongado combate quase `as vias de fato sobre quem teria ou nao direito de sentar na nova cadeira para uma refeicao levou-me a considerar seriamente e entao partir mesmo para reformar mais tres das cinco cadeiras restantes. Afinal, reza a lei nada mais importante do que paz nas refeicoes, nao e' mesmo? E ahi entra a historia do marceneiro: E' isso que marceneiro faz rotineiramente, varias pecas iguais, o mais iguais possivel. Pois e'...

Tendo ficado vacinado de que nao tenho mais fisico para exercitar as lides na intensidade que gostaria, a coisa ja comeca a ser chata por ter de ir com o freio de mao puxado. Mas tudo bem, fiz cortes e colagens para os tres assentos e tres encostos, devagar, devagarinho, sem maiores problemas alem do tedio e entao parti para desmontar as cadeiras propriamente. A primeira desmontagem correu ate que mais ou menos, mas a segunda e a terceira... minha inexistente paciencia ja tinha ha tempos se convertido em irritacao e o processo resultou — como direi? — algo, mm, traumatico:




Mas bueno, apesar da desgraceira que provoquei nos pobres moveis pelo menos uma vantagem: Servico novo, ter que corrigir os problemas, restaurar as barbaridades. Coisa de louco? Hmm... Pode ser, mas eu prefiro chamar de coisa de curioso, hehehe.

De qualquer maneira, devagar, irritantemente devagarinho, no momento estou tentando ver qual a maneira menos estupida de corrigir as consequencias da minha estupidez:





Em tempo — a menos que hora dessas falte lenha para o churrasco, se e' que voces me entendem — imagino vamos ver em que vai dar essa coisa de curioso se meter a marceneiro...

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domingo, 16 de outubro de 2011

Apreendendo

A ansia de terminar a reforma daquela cadeira que mostrei em postagens anteriores me levou a esquecer que nao tenho mais 20 anos e, estupidamente, me submeti a esforcos mais intensos e, principalmente, bem mais prolongados do que deveria. A natureza nao perdoa aos velhos esses entusiamos, e' notorio. Assim, fui 'presenteado' com diversos sintomas para lembrar-me meus anos frequentemente vao alem do que propoe minha vontade, resultando que tive que reduzir marcadamente frequencia e intensidade dos meus esforcos em todos os niveis, inclusive nas atividades da 'oficina'.








De todo modo, coincidencia oportuna, depois de alguma espera chegou essa encomenda ahi do lado. E apos pouco mais de quatro decadas depois de ter aprendido os rudimentos (e contando, claro, com os inestimaveis prestimos do tio Google e do tio YouTube) tive oportunidade de voltar a me familiarizar com tornear, usando placa de castanhas, de face e de topo. Atividade leve, o maior peso sendo mesmo posicionar no eixo do torno os dois quilos da placa; a unica coisa para acelerar o bobo dentro do peito a adrenalina de voltar a lidar com ferramentas e tecnicas que eu julgava esquecidas mas,comprovou-se, sao daquelas coisas que depois de aprendidas nao se esquece mais...

A verdade e' que essas minhas autoaulas revelaram-se nao apenas nada cansativas, mas um agradabilissimo divertimento. E resultaram algumas pecas. Nada especial com certeza, apenas pecas de treino, mas que me estimularam o bastante para pensar a comecar juntar uns galhos e tocos, nos meus passeios pelos interiores aqui dos pagos...



Mas tudo com calma, com muita calma nessa hora, hehehe. Ate porque, nao posso me esquecer, tem cinco cadeira na fila...

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sábado, 8 de outubro de 2011

Paineis curvos — Parte II

O metodo de "esculpir" pranchas para obter paineis curvos pode ser o padrao-ouro, sem duvidas, mas tambem e' de longe o mais caro, o que produz maior desperdicio de materia-prima e, nao raramente, e' por diversas razoes simplesmente impossivel de ser aplicado. Assim, desde sempre outros metodos menos onerosos vem sendo empregados para obter-se resultados equivalentes.

O mais comumente empregado de tais metodos e' o de decompor-se a curva em segmentos retos. Ha incontaveis abordagens possiveis para essa implementacao, mas essencialmente o que se faz e', sabendo a extensao e o raio da curva que se deseja construir, determinar-se a espessura e a largura necessarias a cada componente reto da curva e, entao, os angulos com que se devem unir para proporcionar a curvatura.

Para os que tem o dom dos numeros, isso pode ser feito com rapidez e altissima eficiencia inteiramente com calculos. Para os que, como eu, tem litigio continuado com a matematica sob qualquer de seus aspectos e para quem as teorias geometricas sao, mais que misterios, fonte de intratavel irritacao, o negocio e' o metodo empirico, a boa e velha pratica. Obviamente nao vou perder meu tempo em tentar explicar o que nao consigo entender; entao se algum de voces, meus seis fieis leitores, tem gosto por numeros, contas, senos, hipotenusas e que tais, lamento. Mas vou simplesmente ignorar essa coisa de calculos e saltar diretamente para a abordagem empirica.

Ha fundamentalmente duas taticas com que abordar-se, na pratica, um projeto de painel curvo. Ou indo, peito aberto, diretamente para os planos utilizando-se as proprias partes que serao empregadas na construcao ou, usualmente bem mais simples, mais limpo e mais facil (para quem tem familiaridade de lidar com softwares), trapaceando, ou seja, usando um programa de desenho em computador.


Do jeito que for, a primeira coisa a fazer sera determinar com a precisao possivel as medidas do painel: altura, largura, espessura, eixo e raio de curvatura. Sabendo-se entao se o painel sera curvo na altura ou na largura, que tera A milimetros de altura, L mm de largura, e uma curvatura igual `a de um circulo com um raio de R mm, tem-se entao que plotar essa curva, ou em um papel, em tamanho natural ou em escala, ou em um programa de computador.
Determinando a medida do Raio

















Se por qualquer razao a medida do raio R da curvatura nao for conhecido, esse valor podera ser determinado a partir de uma plotagem aproximada. Um jeito e' "na mao" mesmo, por tentativa e erro usando um compasso. Outro jeito, para os adeptos (ja que aquela distancia sera uma corda de circulo), operando a formula
R = (4f² + w²) / 8f



O proximo passo sera plotar a espessura (E) com que se construira o painel, e esse valor sera determinado, ou por um valor ideal que se deseje para a peca, ou pela espessura real das tabuas que se disponha para construir a peca.

Tendo entao obtido a plotagem do perfil do painel adequadamente dimensionada, agora e' questao de estabelecer/optar em quantos segmentos de reta se ira decompor essa curva, plotar os segmentos e entao medir o angulo (α) com que os segmentos entram em contato.

Curva do painel dividida em quatro segmentos retos
e permitindo a medida do angulo α
Ao atingir-se essa fase teremos condicoes de medir diretamente: a espessura, a largura, o comprimento e o angulo para efetuar-se os cortes, ou seja, todos os dados necessarios para confeccionar cada um dos segmentos que depois, colados, irao acabar formando o painel curvo.

domingo, 2 de outubro de 2011

Paineis curvos — Parte I

(Lembrando que,como sempre, clicar uma imagem remete a um arquivo em maior definicao.)

 Um dos fatores mais chamativos que pode ser incorporado na construcao de um movel e' o emprego de linhas curvas no seu design. Nao apenas linhas curvas sao agradaveis de ser contempladas mas, porque introduzem consideraveis dificuldades construtivas, elas sao infrequentes na maioria dos projetos, especialmente nos que fazem uso intensivo de maquinas na sua construcao. E entao, por incomuns e usualmente agradaveis de serem contempladas, a razao por que essas linhas curvas tanto chamam a atencao, tornam qualquer projeto de marcenaria mais atrativo...

Possivelmente nada personifique melhor esse grande poder atrativo das linhas curvas do que o estilo Louis XV, onde o chamamento estilistico das curvas e' ainda mais acentuado pelo farto emprego de ricas, frequentemente riquissimas decoracoes, nas ferragens, em marchetaria, entalhes, nos acabamentos. E, epitome do estilo Louis XV, os moveis bombée (ou, como costumavam chamar aqui no RS na epoca da minha infancia, moveis em peito de pomba).





Quando Louis XV foi rei de Franca e Navarra (sec. XVIII) madeira seria tudo, menos escassa; entao a tecnica empregada para moldar os paineis curvos utilizados para a confeccao de tais moveis bombee era simplesmente a, mm, escavacao manual. Empregando enxos, plainas, boquexins, etc., espessas pranchas eram longa e cuidadosamente moldadas para 'esculpir' nelas o formato desejado.

Alias, recentemente um marceneiro dA Matriz decidiu fazer uma replica de uma secretaria bombee do periodo, construindo-a utilizando apenas os metodos e processos daqueles tempos, e documentou detalhadamente essa construcao em video. Para quem tiver interesse (e tempo), todos os podcasts dessa construcao (em ingles, 82 deles!!) estao disponiveis a partir de
http://www.thomasjmacdonald.com/media/category.php?cat=Bombe-Secretary-Project

Empregando finas madeiras selecionadas e possibilitando obter-se delas o melhor aproveitamento estrutural e estetico possivel, essa tecnica e' sem duvidas o padrao ouro da construcao de paineis curvos. No entanto implica mao de obra ultra especializada, em longas, longas horas de trabalho penoso, meticuloso, cuidadoso (e bota ahi uns outros tantos "osos"), e exige uma materia prima que vem progredindo de dificil para impossivel de conseguir, alem de uma ferramentaria cada vez mais rara de se encontrar. O que se traduz, evidente, em custos proibitivos.

Como nem so da realeza e dos muito abonados vive a marcenaria, muito antes pelo contrario, outras tecnicas inescapavelmente foram desenvolvidas para a construcao de paineis curvos, acessiveis a mortais comuns. E' o que tentaremos ver em outras postagens, aqui neste batcanal...

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