sábado, 30 de julho de 2016

Cera microcristalina - pesquisando

O primeiro passo na tentativa de tentar produzir uma cera com caracteristicas de protecao semelhantes `as da Renaissance Wax (RW) empregando materias primas disponiveis no nosso mercado para baratear seu custo foi, obviamente, verificar como a RW e' preparada. Tanto quanto consegui levantar, a formula consiste em emulsificar, a quente, Cosmolloid 80 (uma cera petroquimica microcristalina com ponto de fusao ao redor de 70-90°C) com Wax A (uma cera LDPO - low density polyethylene oxidized, polietileno de baixa densidade oxidado) e um solvente de hidrocarbonetos de alto ponto de fulgor.

Tanto a cera petroquimica como a de polietileno sao ceras microcristalinas, duras, muito pouco soluveis e quimicamente estaveis. Pelo que pude entender a cera petroquimica e' a base, a cera de polietileno entra para aumentar um pouco a dureza e a adesividade do produto; o solvente evidentemente para dar `a emulsao consistencia compativel com aplicabilidade.

Como esperado, afora o solvente, facilmente disponivel, os demais componentes originais nao estao acessiveis em nosso mercado. Genericos? Por aqui ceras de polietileno de baixa densidade oxidado tanto quanto pude constatar so estao disponiveis para a industria e em quantidades industriais. Cera petroquimica microcristalina com ponto de fusao entre 70-90°C em quantidades para uso pessoal demanda um pouco de prospeccao na Rede, mas se encontra.

Bueno, dos tres ingredientes necessarios dois se consegue. Nao e' um mau principio, hehe. O problema, basicamente, e' substituir a cera LDPO. Uma cera ate mais dura do que as LDPOs, e com excelente adesividade, e' a cera de carnauba. O problema no seu uso como cera preservativa e' que com o tempo ela tende a oxidar-se e ao oxidar-se fica acida, e acidez e' tudo o que NAO se quer em uma pelicula protetora.



Esse entao e', em rapidas pinceladas, o quadro. Ja disponho de varios solventes adequados e de cera de carnauba. Semana que vem devo receber cera petroquimica microcristalina.

Ahi chegara a hora de brincar: preparar e testar algumas amostras para se ver o que sai.




quinta-feira, 28 de julho de 2016

Cera microcristalina - o comeco


Ha pouco mais de um mes consegui obter, para satisfazer velha curiosidade, uma embalagem de 200 ml da Renaissance Wax. Essa cera e' uma formulacao criada pelo British Museum ao redor de 1950 como um anticorrosivo, empregado para conservacao de suas pecas; especialmente pecas de metal, e especialmente as sujeitas a manipulacao, contato com maos nuas. Embora podendo ser utilizada em mobiliario e pecas de madeira em geral, nesse emprego relatam-se certas limitacoes.

Minha intencao era empregar a dita cuja cera como protetora para ferramentas metalicas e no tampo de ferro fundido das maquinas, sujeitas `as condicoes climaticas do portinho, extremamente propiciadoras de oxidacao. Afinal, a informacao era de que uma vez aplicada forma um filme duro, resistente, persistente, impermeavel ao ar, `a agua e ao alcool.

Tao logo recebi a encomenda, abri o pote para ver o jeitao da coisa — levissimo cheiro de solvente organico, uma massa branca que cede um pouco de si para um pano ou papel toalha quando se passa, como e' o jeito das ceras, mas que peculiarmente nao cede praticamente nada quando apertada com toda a forca de um dedo. (Nao, nao testei se entra um prego, mas imagino que sim, hehehe.)

Em seguida, claro, fui aos testes. Selecionei como pecas de prova meus barriletes que desprotegidos enferrujam so de se olhar para eles, um velhissimo formao tapado de muita ferrugem desde que o conheci, e uma sobra de cedro rosa. Como preparacao, passei bem esfregado, varias vezes, papel toalha nos barriletes para remover o oleo que os protegia. No formao passei lixa 220 no lombo para tirar o grosso da ferrugem e depois, na parte mais da base, passei lima ate aparecerem areas de metal limpo e a seguir tornei a lixar todo o lombo com lixa 400 e a seguir um pano seco. O cedro, deixei como estava, sem qualquer acabamento ou lixagem fina.

Como recomendado, apliquei uma levissima, finissima camada da cera em todo o corpo dos barriletes, em todo o corpo do formao e na face do cedro. Nao segui a recomendacao de, apos alguns minutos da aplicacao, remover o excesso com um pano. As imagens abaixo tomei hoje, praticamente um mes depois. Nenhum reforco foi aplicado e as pecas foram manipuladas, embora nao tanto quanto seriam normalmente — que tenho lidado pouco na 'oficina' gracas ao velho implicante e `as condicoes metereologicas com que vem nos brindando por esses dias.








Os barriletes (como sempre, clique nas imagens para ve-las em maior resolucao) apresentam alguns pontos de oxidacao nas bases, apontados pelas setas verdes. Esses pontos ja estavam la quando apliquei a cera, e nao os removi justamente para incrementar o teste, ja que ferrugem cataliza, acelera a formacao de mais ferrugem. Nao notei nenhum aumento da ferrugem na base, e no resto do corpo dos acessorios tudo reluzindo.









No formao nao percebi qualquer mudanca. O que estava enferrujado continua, nem mais, nem menos, tao enferrujado quanto estava; as partes brilhantes continuam brilhantes.





O pedaco de cedro rosa deixei secar umas 12 horas apos a aplicacao — notei estava bem seco porque a madeira que tinha escurecido um pouco na aplicacao como e' normal, tinha retornado `a aparencia inicial, como se nada tivesse sido aplicado. Apenas ao tato, um certo aveludado traia a presenca da cera. Testei molhar a superficie e a agua ficou em bolinhas, mas sem alterar a cor da madeira sob as bolinhas. Sacudindo fora a agua e passando um pano, tudo bem sequinho e sem qualquer sinal de ter sido molhado. Reapliquei agua hoje, Nada mudou.

Todavia, olhando mais de perto pode-se perceber o principal problema que eu havia lido ocorre: Onde havia veios abertos a cera os havia preenchido, e ficado branca, opaca. E embora eu tenha escovado com forca e passado flanela com forca, ela continuou e continua la, branca e opaca, como se pode ver na foto. Tentei, sem muito esmero e' verdade, remove-la com uma agulha, mas nao houve jeito a menos que removesse a madeira junto. (Consta, o unico jeito de remover e' utilizando um solvente forte, de thinner para cima. Ou calor. E nao e' facil. Lixar? Aaargh! Nao me falem em lixar...)


E nisso estamos. O troco parece realmente funcionar. A proxima etapa sera aplicar nos tampos das maquinas...

Porem, ao constatar o uso dessa cera pode ser uma bela mao na roda para evitar ferrugem, um problema ficou evidente: ela nao existe no nosso mercado, e importa-la nao fica nada barato. Dai, o curioso aqui resolveu fazer uma outra experiencia: ver se consigo fazer essa cera em casa.

Algo para um novo episodio, qualquer bathora dessas.


Claro, aqui neste batcanal...


quinta-feira, 21 de julho de 2016

Madeira pasmada

Com o clima do jeito que o velho Pedro o tem distribuido aqui para a capital do Continente que patroniza, somado a um certo cansaco pelo praticamente um ano e meio ininterrupto produzindo moveis para a casa, o fato e' que as minhas atividades com madeira arrefeceram ao quase parando neste ultimo par de semanas e, por consequencia, da mesma forma minha inspiracao para postar aqui no blog...

Todavia, por esses dias uma conversacao no blog Madeira! rendeu, por uma colateral, falar-se sobre madeiras pasmadas — e resolvi aproveitar o mote para abordar o tema aqui.

Chama-se pasmada a madeira — usualmente clara ou brancal de madeira escura — que no inicio de sua decomposicao e' infestada por certos fungos que lhe ocasionam o surgimento de tracos irregulares e/ou manchas de cor escura.

Meu primeiro contato com madeira pasmada deu-se quando um pe de amoreira do meu patio caiu com uma ventania e, gostando da cor amarela do cerne, resolvi aproveitar o lenho. (Um dos aproveitamentos sendo essa caixa retratada nas imagens ahi acima.) Nunca tinha visto antes nada parecido e julguei tratar-se aquilo do aspecto normal do brancal de amoreira. Foi mostrar as pecas que tinha feito e comentar sobre a peculiaridade das manchas e riscos do brancal, e da Rede e ao vivo logo veio a informacao do que de fato se tratava tal peculiaridade.

E, inclusive, a informacao do nome em ingles da, mm, peculiaridade: spalted wood.

Armado de tais informacoes o curioso aqui nao poderia, claro, deixar de consultar o Tio Gu...

Para inicio do papo, e justificando a inclusao do termo em ingles aqui nessa conversa, obtive nova confirmacao do que ja estava careca de saber — e que justifica eu defender a tese de que o melhor curso de marcenaria que se pode fazer e' um curso de ingles. O que procurei ilustrar na imagem abaixo: a porcao de cima o resultado de uma consulta por imagens ao Tio Gu pela string "madeira pasmada", a porcao de baixo com a string "spalted wood".


Enquanto a busca em portugues mostra apenas meia duzia de imagens de objetos feitos de madeira pasmada, a busca em ingles mostra 100% de imagens de spalted wood. Desnecessario dizer, na busca por texto, ou video, ou... a historia e' a mesma.

Afora os detalhes tecnicos relativamente fartos disponiveis na cornucopia de informacoes mantidas pelo Tio Gu sobre o tema, um detalhe chamou minha atencao, por curioso. Tanto em portugues como em ingles, a origem da expressao utilizada para apontar essa caracteristica e' imprecisa. Existe em ingles o verbo spalt e o adjetivo spalted, como em portugues existe o verbo pasmar, e o substantivo pasmado. Mas... nem um e' traducao do outro, como as definicoes dicionarizadas dos termos nos dois idiomas nao aponta o uso do conceito aplicado `a citada infestacao das madeiras.

Aprofundando as conversas com o Tio, entre as varias possiveis explicacoes sobre a origem do termo — e eu gosto de ficar sabendo a origem dos termos porque melhora meu entendimento do idioma e porque facilita meu esclerosado separador de orelhas lembrar-se deles, hehe — as que me pareceram mais acuradas sao as seguintes:

Em ingles, o termo spalt, entre varias outras coisas, e' empregado (embora nao dicionarizado) para um tempero de mesa muito comum deles, mistura de sal marinho e pimenta do reino preta moidos, dito spiced salt (sal picante). Como e' tao comum nA Matriz o termo spiced salt foi contraido, virou spalt. Imagino a imagem abaixo — descaradamente chupada de uma postagem de meu amigo Adenilson la no forum Madeira! — lembre bem saleiros cheio de mistura de sal e pimenta preta moidos, voces nao acham?



Ja em portugues, uma das acepcoes (a menos usada) do termo "pasmado" nos dicionarios e'

  • 4 pau ou mourão fincado que resta depois do desaparecimento de uma porteira

Nao e' dificil imaginar a madeira desses pasmados estivesse frequentemente infestada por fungos, como tambem me parece verossimil supor o que era provavelmente chamado de "madeira de pasmado" virasse mais simplesmente... madeira pasmada.


De qualquer maneira, independente de consideracoes botanicas, fitopatologicas, irritantes tecnicismos, filologias, etimologias, essas estopadas todas, o que eu acho importante mesmo e', se a gente tiver a sorte de encontrar pelas quebradas alguma madeira pasmada... pega-la logo, guarda-la com carinho para um dia extrair dela a indiscritivel beleza com que so ela nos presenteia...




quarta-feira, 6 de julho de 2016

Humor obliquo

Tendo retornado recentemente dA Matriz recebo-lhe a visita e, ao final de relatos e risos, um presente...

Quando vi a caixa, pensei logo era um par de oculos. Mas nao. Nao era.

Era um negocio engracado...


Mas o que diabos sera isso? — pensei enquanto agradecia a lembranca mais do que o presente. Duas laminas metalicas articuladas com um 'joelho' central, tudo movel ou fixo conforme o aperto dado em tres parafusos.


Para que pode servir isso? Em que se pode usar?

Bonitinho com certeza e', mas por certo nao sera so um enfeite. Sem qualquer marca de fabricante, sem qualquer manual...

Mas nao, nao. Engano meu. Na despedida, ganho ainda um sorriso maroto e um envelope. Abro o envelope e la estava o manual. Trata-se de uma ferramenta! E la esta a informacao do fabricante:
Projetado e importado por
Chestnut Tools
Almonte, ON, Canada
Feito na China

Mmm... Pesquisando, descobri o site da Chestnut Tools e, no site, a informacao: quem revende seus (muitos) produtos e'... Lee Valley.
Ah, bom! Esta explicado onde a criatura catou a estranha ferramenta.

E, no manual de uso, nenhum texto. Apenas ilustracoes indicando empregos para o brinquedinho...


Interessante, ne?

O que fazem as pessoas...


domingo, 3 de julho de 2016

Madeiras vagabundas - revisitando

La bem no inicio das postagens deste blog eu comentava de como havia optado por trabalhar com algumas madeiras ditas vagabundas — pinus, eucalipto, cedrinho, etc. Passados ja varios anos, a experiencia demonstra essas tais madeiras vagabundas, tenham la as limitacoes que tem, estao longe de, como muitos apregoam, ser indesejaveis, inuteis no emprego da pratica de marcenaria, servindo apenas para uso temporario em carpintaria, e olhe la...

Afora varios dos moveis que construi ha tempos com tais madeiras e que hoje nada, absolutamente nada, mostram da passagem dos anos, constitui sem querer uma testemunha solida...


 Esses restos mostrados ahi nas imagens ao lado (clique nelas para ve-las em maior resolucao) sao o que sobrou do prototipo da replica de uma cadeira de espaldar baixo do Sam Maloof, e cuja construcao foi relatada aqui mesmo, la por dezembro de 2011.

Quando encerrei a construcao do prototipo e parti para construir a versao final da cadeira, as pecas em pinus foram simplesmente deixadas de lado, sem qualquer acabamento ou cuidados de qualquer especie. Esses restos especificamente, o assento e os pes dianteiros, eu acabei utilizando para fazer uma plataforma onde subir, ja nao me lembro mais para que. Quando acabou sua utilidade, foram colocados ahi onde foram fotografados, inteiramente expostos `a intemperie, tomando sol, chuva, ventos, calor e frio, por mais de quatro anos.



Ha claros, evidentes sinais da passagem do tempo. Na cor cinza, caracteristica de todas madeiras oxidadas, algumas fissuras, algum mofo — mas o lenho propriamente esta integro, e ficaria como novo se devidamente tratado. Enquanto isso, a cola epoxi bicomponente da Redelease falhou, um dos parafusos que fixava um braco corroeu-se.

Mas o vagabundissimo pinus, afora o mofo na parte em contato com o piso, ate agora nao foi tocado por nenhum organismo xilofago: nem podridao, nem cupins, nem brocas. Como disse, repito: o lenho sem qualquer protecao esta integro, perfeitamente recuperavel sob a superficie oxidada.



O mesmo nao pode ser dito de uma outra madeira da turma dos vagabundos. Dois tocos de eucalipto que utilizei inicialmente como picador e depois, quando deixei de cortar lenha a machado, como suporte para plantas, esses mostram-se muito, muito mais afetados pelo tempo e os elementos.

Como se ve nas imagens acima, o toco menor `a esquerda foi tao carcomido que acabou abrindo-se espontaneamente ao meio, tendo agora como unica serventia alimentar a lareira. Ja o outro toco `a direita, bem maior, com uns 50-60cm de diametro, ainda resiste mas mostra indisfacaveis sinais de ataque por diversos batalhoes de xilofagos prenunciando nao passarao muitos anos antes de a bromelia que sustenta necessitar outro suporte.

Nao tenho como precisar a idade desses tocos, ate porque quando os trouxe ja estavam bem secos e acinzentados.

De qualquer modo achei valia o registro de como essas essencias usualmente tao desprezadas estao longe de ser tao pereciveis como apregoado. E, sendo bem mais faceis de ser encontradas e entao custando bem menos do que suas parentes mais 'nobres', essas madeiras vagabundas sao muito boa materia prima, e nao apenas para aprendizado e testes, mas — pelo menos na minha sempre desconsideravel opiniao — capazes de oferecer substrato muito melhor estruturado e bem mais duravel do que as chapas sinteticas usualmente empregadas na construcao de moveis.