segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Polidor — construcao e uso

Na postagem imediatamente anterior eu havia mencionado desejava aplicar no estojo para iPad um acabamento so com oleo e cera, e a intencao era usar uma politriz eletrica no final. Mas ahi veio a memoria de um instrumento que eu tinha visto usar na minha infancia: um polidor...



Tanto quanto pude averiguar, aparentemente e' uma das tantas coisas que vieram do Extremo Oriente e foram 'adotados' no Ocidente. Um entre varios exemplos orientais pode ser visto ja no inicio deste video coreano, no caso utilizado para nao apenas dar polimento `a madeira como para remover o que resultou carbonizado no processo:


Por ser varias vezes citado em L'Art du Menuisier — a biblia da marcenaria ocidental, publicado em 1769 por M. Andre Jacob Roubo — nos dias que correm o instrumento e' por varios autores modernos chamado polissoir e muitos pensam mesmo tratar-se de uma invencao francesa. Eu chamo de polidor, mesmo.

Mas como certamente um polidor nao e' algo que se encontre no comercio de pindorama (nA Matriz se acha sim, mas posto aqui acaba ficando ao redor de uns miseros quatrocentos reais), resolvi juntar o util ao agradavel e ao divertido e fazer um eu mesmo.

Comecei por comprar uma vassoura de palha no supermercado. Uma fortuna: treze reais.
 Ahi, tratei de desmontar a vassoura e 'capturar' a palha:

Primeiro passo: remover as 'costuras' de plastico

A seguir, cortar o arame

Removida a primeira camada, a 'saia' que fica por fora

Desdobrado o 'miolo' das palhas, a parte que da formato `a vassoura

Cortada fora a palha, em tres macos: a saia, o miolo e finalmente o centro


O miolo cortado foi para o lixo, o cabo guardei; e' certamente algo que eventualmente sera util. A seguir, peguei todas as palhas do centro e algumas do miolo, cortei ao meio e montei um feixe com uns 15cm de comprimento que, bem apertado, ficasse com uns 5cm de diametro.

As palhas cortadas ao meio



O feixe e' montado e bem espremido utilizando nos 'jiboia', ou constritores, com barbante

Como dar o no 'jiboia', ou constritor

O espaco entre os barbantes generosamente ensopado de cola branca
e deixa-se secar por uns minutos, para a cola penetrar
O barbante, sempre molhado em cola, e' bobinado bem apertado,
desde logo antes do primeiro ate depois do terceiro no
Deixado secar uns minutos, bobina-se no sentido contrario uma outra camada de barbante
cobrindo a primeira; o resto da palha foi guardado para possiveis futuros polidores, hehe

-- ooOoo--

Deixada a cola secar ao toque, as pontas do polidor
sao entao aparadas, com um estilete







A etapa seguinte apos aparar as pontas, consistiu em mergulhar ate saturar uma das pontas do polidor com cera de abelha liquefeita em banho-maria. Ha quem sature ambas as pontas, mas eu prefiro deixar uma seca mesmo.




A ponta saturada, removido o excesso de cera

A ponta 'seca'
A razao de manter uma ponta seca e' o polidor tambem apresenta muitos bons resultados mesmo aplicado seco, sem cera, direto na madeira. A palha comprimida nao e' dura para arranhar, mas e' suficientemente rigida para comprimir os veios superficiais, dando por assim dizer uma 'superaplainada' que deixa a superficie, mesmo crua, brilhante. Como talvez se possa ver nas imagens abaixo:




Um pedaco de imbuia (o recorte removido da camada do centro do estojo) usado para umas 'acertadas' nas minhas estrategias de aplainamento — como se pode ver pelos inumeros defeitos provocados.



A porcao direita da taboinha esta so aplainada, no centro foi polida com a ponta 'seca' do polidor e na esquerda com a ponta com cera. A imagem `a esquerda e' uma vista bem vertical, de topo; a da direita, com suficiente inclinacao para refletir um pouco o sol. (As diferencas entre os tres 'acabamentos' ficam mais evidentes se as imagens forem clicadas — o que como sempre as abre em maior resolucao.)

Como imagino se possa verificar, aplicar o polidor pelo lado 'seco' da quase tanto brilho quanto com o lado com cera, e com a caracteristica de nao mudar em nada a cor da madeira crua. (A parte com cera pode ficar ainda mais brilhante, dizem, aplicando outras camadas cada vez com mais pressao, e ao final polindo com politriz. Eu nunca testei.)

-- ooOoo --

Mas entao, pronto e funcional o polidor (e custando menos de R$ 20 no total), hora de aplica-lo no estojo de que tratamos na postagem anterior. Eis os resultados:





E para 2014 era isso. Ate o ano que vem, aproveitem bem as festas!


sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Nunca sai bem como planejado

(Como sempre, clique nas imagens para ve-las em maior resolucao.)


Aproveitando o inicio dos melhores meses do ano para se estar no portinho, enquanto me distraia dando uma arrumada nas tralhas na 'oficina' pensava em o que, exatamente, gostaria de fazer para exercitar tecnicas do que eu chamo "marcenaria de precisao" (em essencia, empregar ferramentas manuais para diminuir tanto quanto praticavel as margens de erro)...

Dai, encontro em uma das gavetas um envelope contendo um par de dobradicas barril (barrel hinges, em ingles)  — essas ahi acima, na imagem que abre essa postagem — e me lembro eu as havia adquirido ha quase uma decada, pensando em reproduzir um estojo para laptop que eu tinha visto no site de herr Rainer Spehl — esses ahi, nas imagens laterais — e que acabara nunca executando pela solida razao de nunca ter tido um laptop para chamar de meu. Ao ver as dobradicas no entanto, ocorreu-me que poderia fazer um estojo semelhante, nao para um laptop mas para alojar um i-Pad, um projeto em que poderia empregar as tais dobradicas e certamente uma oportunidade de treinar tecnicas manuais.


Ao inves de utilizar compensado, decidi fazer o estojo aproveitando um belo resto de imbuia. A ideia foi bem simples: em essencia, dimensionar grosseiramente a taboa de imbuia e entao desdobrar em tres fatias, tudo na serra de fita, projetando que a fatia "do meio" viesse a ter quando acabada a mesma espessura do tablet; cortar no centro nessa fatia um buraco quadrado com as dimensoes do i-Pad. E entao, colar o 'sanduiche' e abrir a 'tampa'.


E foi o que fiz. A parte de "marcenaria de precisao" ficou por conta de melhorar, acertar, afinar dimensoes, linhas, angulos, superficies, planos, justaposicoes, empregando plainas e formoes. Mas e' bom esclarecer: gosto de usar e, ainda mais, dos resultados que se obtem empregando ferramentas manuais. Mas nao sou fanatico; antes pelo contrario, tenho muita apreciacao por ferramentas eletricas. Nao so os cortes iniciais e o desdobro foram na serra fita, o aparelhamento inicial foi na desempenadeira, desengrosso e serra de bancada. As ferramentas manuais entram na hora de 'afinar' as coisas, e no acabamento.

Mas nao so na madeira acabei me afastando do modelo de herr Spehl. Para comeco de conversa acabei nao usando as dobradicas barril, por razoes ergonomicas: se o tablet fica suficientemente afundado no estojo para a tampa poder abrir utilizando as dobradicas barril, os dedos ficam sem pegada para puxa-lo; se suficientemente exposto para dar boa pegada, a tampa nao fecha.



Igualmente, fortes imas de terras raras a pequena distancia de um computador nao me parece boa ideia. Por isso, acabei colocando uma dobradica externa, em uma lateral, e um fecho na outra.


 Alem disso, o artista alemao em seu projeto forrou todo o interior do estojo com couro; eu optei por utilizar veludo azul, e apenas no lado do vidro do i-Pad, confiando a madeira estava suficientemente aplainada para nao oferecer riscos `a carcaca do computador.




Alias, afora o ajuste submilimetrico para praticamente todas as dimensoes, a participacao da "marcenaria de precisao" foi ainda mais saliente na plainagem das faces.

Continuando meu aprendizado da setagem de plainas, consegui — pela primeira vez, diga-se de passagem — superar o obstaculo que as tortuosidades dos veios da imbuia representam e obter uma superficie mais lisa do que se pode conseguir com lixa G600 (tudo bem, confesso: se repararem bem nas fotos com maior resolucao da para enxergar aqui e ali ha ainda uns arrepiozinhos, hehe). Mas de fato, como se pode ver na foto abaixo, as superficies resultaram tao lisas que ficaram um pouco espelhadas.



O acabamento que escolhi aplicar foi apenas oleo de tungue e cera. Ate aqui, apenas duas demaos do oleo foram aplicadas, seguindo o padrao: Com pano ensopado o oleo e' bem esparramado, deixado uns 15-30 minutos para a madeira absorver bem e entao todo o excesso removido com um pano seco e limpo. A ideia e' aplicar ainda mais um par de demaos de oleo antes de comecar com a cera, deixar tudo secar bem e entao polir com uma politriz eletrica. Para ver como vai ficar, hehehe.


Enquanto aguardamos como, um batdia desses, podera ficar o resultado final, deixo ahi abaixo um par de imagens de como o estojinho esta, hoje...




segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Por uma dessas coincidencias, outra vez meu dezembro fica mais alegre com formoes.

De brincadeira eu havia postado no forum Madeira! umas imagens de tres superformoes japoneses de parear e me posto `a disposicao de ganha-los caso alguem quisesse dar...


Pois olhem so o que um motoboy veio me entregar, faz pouco:


Dois belos formoes japoneses de parear (para usar so com a forca das maos, nunca para serem tocados com um malho). Ja devidamente afiados ate o polimento, cortam melhor do que navalhas.

Pelo angulo do bizel e pelo aco, durissimo, nao sao bem indicados para uso em nossos lenhos mais rijos. Mas imagino em cedro, louro, pinho, nessas madeiras mais macias vai dar para brincar bem. Fazer festa!



Pois entao, para quem estiver por ahi lendo essas malbatucadas, meus votos voces tambem facam festa. Boas, felizes festas!


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A andorinha cega


Pode-se dizer o uso de emendas com malhetes em cauda-de-andorinha, pelo reforco estrutural que fornecem ao encaixe (e uma muito maior area disponivel para cola, quando for o caso), e' um recurso empregado desde tempos imemoriais, por todas as culturas, para todos os materiais como madeiras, metais, pedras, etc.

Embora mais modernamente a estetica tenha preponderantemente dado preferencia a deixar evidente o trabalho do artesao, mantendo os encaixes `a vista — e os rabos-de-andorinha sejam frequentemente vistos como sinonimos de construcao bem-feita, capricho e cuidados —, como pode ser constatado facilmente observando-se originais, reproducoes ou imagens de moveis classicos, desde a antiguidade ate par de decadas atras a preferencia era por ocultar, ou no minimo disfarcar, as emendas.


Ate os mestres da marcenaria e da carpintaria japonesa, famosos por justamente procurar deixar o minimo de seu trabalho exposto, ocultando tao fundo as enormemente complicadas ensambladuras que executavam que nos tempos modernos e' necessario examina-las com raios-X para revelar como foram feitas, hoje ate mesmo esses mestres resolveram deixar a modestia de lado e expor salientemente sua tecnica em formas que nos deixam boquiabertos...


Mas... Pera ahi um pouquinho!
Sera que era mesmo por modestia que os antigos davam preferencia `as emendas cegas?


Essa minha duvida nasceu ao assistir um episodio de The Woodwright Shop, a serie mais antiga no ar da TV dA Matriz, capitaneada ha 33 anos ininterruptos por Roy Underhill. No final desse recente episodio da temporada 2014-2015 (o episodio denominado Campaign Furniture, acessivel desde http://www.pbs.org/woodwrightsshop/watch-on-line/2014-2015-episodes/), e' demonstrada por Christopher Schwarz uma tecnica de execucao de emenda cega com malhetes em rabo-de-andorinha.

Um reconhecidamente conhecedor profundo de tecnicas classicas de marcenaria, enquanto executa sua demonstracao em breves minutos Mr. Schwarz menciona de passagem que nessa tecnica os malhetes podem ser cortados sem necessitar o esmero habitual, porque no final tudo vai ficar mesmo escondido...

A-rra!
Bem ahi nasceu-me a duvida: os marceneiros de antanho preferiam mesmo executar emendas cegas para ocultar seu trabalho ou, ja que a coisa ia mesmo ficar escondida, era para poderem trabalhar mais rapidamente e com imensamente maior tolerancia a erros?

Nao achei nada que pudesse responder a essa pergunta de forma definitiva mas, de qualquer modo, ate para treinar o uso das ferramentas resolvi tentar executar uma emenda dessas; uma emenda em esquadria cega com malhetes em cauda-de-andorinha, como essa mostrada ahi `a esquerda.


Comecei por montar, na falta de melhor palavra, um "jig" — uma rampa a 45° para servir de apoio a um formao na hora de cortar as meia-esquadrias — a partir de um resto de cedro-rosa. (A unica parte da rampa realmente a exatos 45°, diga-se, e' o retangulo apontado pela seta verde ahi na foto `a direita; o resto tudo e' para dar volume, peso, apoio.)

A etapa seguinte, uma vez seca a colagem da rampa, foi marcar em uma ripa da 'sucata' a posicao dos malhetes, e corta-los. E foi cortar o primeiro, e reparei que a marcacao estava completamente invertida. (Algo que, pelo menos comigo, nao e' incomum acontecer: fico muito concentrado pensando em um aspecto da coisa e deixo o separador de orelhas no automatico, sem supervisao, para o resto — e ele nao raro erra o penico.) Constatado o erro, resolvi continuar do mesmo jeito, alegando para mim mesmo que o que interessava era testar o jig, nao fazer uma emenda perfeita, ate antes pelo contrario. (Desatento, distraido, trapaceiro e preguicoso, alguns de meus atributos menos cantados, hehe.)


Uma vez cortados, os rebaixos e os malhetes, hora de aplicar o formao com a ajuda da rampa para cortar as meia-esquadrias, o que acabou sendo mais facil do que eu esperava, mas mesmo assim sublinhou empregar esse metodo exige formoes muitissimo bem afiados...

Ahi — com a ajuda de alguns grampos, pois os encaixes com os malhetes invertidos por certo e por nada queriam saber de ficar montados, hehe — montei a emenda.


Como voces podem ver nas fotos abaixo, embora eu tenha feito a emenda pela primeira vez, sem o menor capricho, com os malhetes invertidos, uma lamentavel matacao mesmo vendo com a melhor das boas vontades... olhando a coisa montada ficou tudo perfeito.


Agora entao, decidam voces: os marceneiros d'antanho faziam essas emendas assim cegas por estetica, para nao evidenciar o trabalho, ou por que era o jeito mais facil mesmo?