sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Criei coragem

Ha mais de ano, como ate contei aqui, resolvi me presentear com uma kanna, uma plaina de acabamento japonesa. Nenhuma queixa quanto ao desempenho, desde o primeiro dia, mas...

Lendo sobre a utilizacao dessas plainas, em inumeros sites, blogs e foruns constatei uma constante declaracao: os dai — os corpos de madeira dessas plainas japonesas — necessitam ser 'afinados' pelo usuario regularmente. Isso porque madeira trabalha, se expande e dilata com as variacoes de umidade e temperatura, e isso pode se traduzir, como geralmente se traduz, em variacoes da geometria da sola. Como no entanto o desempenho da ferramenta estava perfeitamente dentro das minhas expectativas, e como sou adepto de que nao se mexe em time que esta ganhando, resolvi obviamente deixar a coisa quieta. Porem quando nessa semana que passou a minha plaina entrou no processo geral de afiacao de findiano — a proposito: FELIZ ANO NOVO! — e fui setar a lamina recem afiada, reparei uma nitida degradacao na performance da dita cuja.

-- oOo --

Eu sempre tive curiosidade em saber por que cargas d'agua os japoneses, com sua metalurgia milenarmente primorosa, utilizavam e utilizam praticamente apenas plainas de madeira, quando sabidamente madeira e' muito menos estavel do que metais.

A razao, pelo que li, e' bem simples. Os marceneiros e carpinteiros de la utilizam plainas continuadamente, para tudo no seu dia-a-dia, passam o dia todo na lide e carregando essas ferramentas de todos os tamanhos para la e para ca. E madeira e' bem, bem mais leve do que metais; plainas metalicas seriam fatigantes.

Adicionalmente, exatamente para reduzir o esforco de plainar, as solas dessas plainas sao condicionadas: faz-se um minimo rebaixo, uma infima concavidade na sola entre o nariz da plaina e a porcao imediatamente em frente ao gume, de tal forma que quando se esta utilizando a ferramenta apenas essas duas areas fazem contato, reduzindo assim consideravelmente o atrito no plainar. Ha inclusive plainas especialmente projetadas exatamente para produzir esse rebaixo, as tachi-kanna.
Tachi-kanna

Rebaixo esse que evidentemente eu nunca me atrevera a executar na minha.

-- oOo --

So que quando fui examinar a sola, depois de reparar na dificuldade de conseguir setar adequadamente a plaina para cortes muito rasos, aplicando uma regua pude constatar que a regiao entre o nariz e o gume, ao inves de estar levemente rebaixada apresentava era uma convexidade.

Fiquei, claro, sem escape e resolvi encarar a bronca. Nao dispondo de uma tachi-kanna — que, consta, se aplica na transversal dos veios da sola — resolvi executar o tal rebaixamento com raspilhas, na longitudinal.

Como sempre gosto de me preparar para o pior cenario, tive uma surpresa agradabilissima: Foi facil, facilimo de fazer. Em poucos minutos, uma barbada.



Imagino possa ter ficado evidente nas fotos acima o espaco que sofreu o rebaixo, demarcado pelas linhas verdes. Um quase nada, fracao de milimetro. Mas o resultado...



Utilizando um martelinho adequado calibrei a profundidade do corte para tao raso quanto minha pouca paciencia permitiu, e empreguei uma sobra de cedro-rosa para os testes.

Rapaiz!


A plaina deslizou macia, as fitas sairam lindonas, consistentes, cheias e finissimas. E a superficie do cedro... Mas nem bunda de nenem!

Muito, muito melhor do que jamais eu tinha experimentado, sem a menor duvida.



Nao tenho certeza, claro, nem tenho uma plaina ocidental de madeira para testar, mas fica a impressao esse simples rebaixo pode muito bem ser aplicado nelas. Talvez com resultados semelhantes?

Fica a sugestao, para alguem bravo o bastante experimentar e depois, espero, nos contar...


3 comentários:

  1. Hum, postagem agradável para um começo de ano, hehe.
    Senti uma certa pitada de euforia na descrição das fitas após o procedimento.
    Com relação a bunda de neném, eu me lembrei de alguns comentários sobre o polimento que a sola de madeira propicia versus a sola de metal. Acho que voltamos de certa forma aqui para aquela estória de polir com maravalhas/fitas. Como tenho a primeira plaina de madeira a poucos dias e tenho passado mais tempo terminando a construção do que aplainando, volto novamente a minha chatice de não querer afirmar nada sem que os zóios vejam bem ao vivo e a cores, hehe.

    Mas... Tudo indica que o bunda de neném leva uma vantagem nas plainas de madeira.

    Já na macetada do ligeiramente côncavo, o papo me lembra D. Charlesworth e suas dicas para o aplainamento de arestas. Ele gosta de duas passadas ao final com fitas finíssimas para deixar invisivelmente côncavo, porém até o momento a informação sobre concavidade nas plainas para diminuir atrito é uma novidade pra mim. O que cheguei a escutar sobre isso na sola é para se ter uma plaina devidamente funcional, quero dizer, melhor ter uma concavidade do que uma superfície convexa. A coisa por aqui foi fácil neste sentido porque a largura da minha #5 engoliu a largura da plaina, e o portanto o trabalho de retifica foi com a plaina de metal após um ajuste fino. No mais: régua contra a luz.

    Não fiquei, ao menos não por ora, com calibradores sob a régua para avaliar o grau de precisão da minha sola, mas ao que tudo indica ou está "invisivelmente" côncava, por técnica do David, ou "reta" mesmo.

    Por último, não vejo qualquer negativa em se usar tal macete nas plainas de madeira ocidentais.

    []s
    Cosme

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    1. A euforia veio da marcada melhora no desempenho da ferramenta. E' bom ver uma teoria se confirmar na pratica, hehehe.

      Os japoneses utilizam solas com esses apoios na frente da lamina e no nariz para smoothing, e solas com apoios no nariz e no calcanhar para truing.

      Um apanhado de artigos que talvez possa interessar:
      https://www.tumblr.com/search/japanese%20plane%20setup

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    2. Bem interessante a postagem "Japanese jointer plane sole configuration".
      Por sinal, as 'Naga-Dai-Kanna' são gigantes!

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