quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Taboas, plaina e afiacao

Aproveitando um intervalo entre as chuvas (sim, o velho Pedro esta outra vez com a corda toda, chorando mares) resolvi dar azo `a minha curiosidade e cortei dois pedacos de 70cm de comprimento, um da taboa de jequitiba, o outra da de marfim-rana. Basicamente porque queria dar uma limpada nelas, ver que cara mesmo e' que tem esses exemplares de essencias ineditas na minha experiencia e, se possivel, dar uma lidada para ver da trabalhabilidade delas...

Bueno, a lida vai ter de esperar. Uns meses: estao, ambas, ainda com teor de umidade excessivo. De qualquer modo, dei uma plainada bem superficial nas duas, nao para tentar qualquer aparelhamento, mas para matar a curiosidade quanto ao aspecto...


As imagens menores mostram as taboas como ficaram depois de levemente plainadas; a imagem maior no centro, apos aplicacao de um pouco d'agua para acentuar os veios.

Acho que tem promessa. E nao pouca promessa, hehe.

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Mas ahi, enquanto amolava a lamina da plaina que tinha acabado de usar — guarde sempre ferramentas de corte com todo o fio, e' uma pratica que me recomendaram, e que adotei e recomendo — me veio a memoria de uma conversa que esta-se desenvolvendo no forum Madeira! sobre afiacao, e pensei talvez algum de meus sete fieis leitores pudesse ter interesse em algumas informacoes basicas sobre o tema...

Bem afiar uma lamina, de ferramenta, de faca, qualquer lamina, consiste fundamentalmente em duas etapas: o desgaste (grinding) e o polimento ou assentamento (honing). (Os termos em ingles entre parenteses, porque nao ha uma terminologia uniforme em portugues; esses sao os termos que eu uso, outros usam outros. Ja os termos em ingles sao exatos, e facilitam consultas pela Rede.)

O desgaste consiste em remocao de material da lamina para construir ou reconstruir uma geometria (angulo do bizel, por exemplo), corrigir defeitos macroscopicos (dentes, entortamentos, etc.), e e' usualmente feito utilizando abrasivos com grana baixa (de 60 a 600G). Para efetuar o desgaste emprega-se usualmente, ou rebolo ou prato rotatorio, com acionamento manual ou motorizado, ou pedras de afiar. E ahi ja comeca a engronha...

O fato e' que, como ja comentei, nao ha qualquer consenso entre afiadores quanto a metodos, taticas, jeitos ou maneiras de afiar. Cada um tem o seu e o de cada um e' que e' o melhor. No que tange a desgaste. Ha quem defenda o uso de motoesmeril e quem o renegue, por mil razoes. Ha quem defenda o uso de rebolos de baixa rotacao, ou de acionamento manual e, claro, quem renegue, por dez mil razoes. Desgaste com esmeril produz evidentemente um bizel concavo, e ha milhoes de razoes para defender, e milhoes de razoes para atacar o bizel concavo. Pratos rotatorios e cintas de lixa, que produzem bizel plano... a mesma coisa, o mesmo desfile de razoes pro e contra. Quanto a afiar manualmente em pedras, utilizando guias para obter um bizel plano, ou afiando na mao livre, o que produz um bizel convexo, ahi ja nos aproximamos de bilhoes de razoes — porque ha literalmente milhares de diferentes tipos de pedras, e isso so para comeco de conversa.

Para certas ferramentas o bizel mais rude que resulta do desgaste ja e' suficiente: machados, machetes, facoes, faca de mesa, etc.
Como?...
Sim, com certeza! Tanto ha inumeros que afirmam que as ferramentas citadas podem e devem se beneficiar de um fio mais afinado, como inumeros outros ha afirmando que o desgaste e' mais que suficiente para o adequado emprego de formoes, plainas, etc. Nao ha consenso, mas parece haver uma maioria que reza pela cartilha de que formoes, plainas e quetais merecem sempre uma afiacao mais apurada. Esse apuro se efetua polindo as superficies planas que formam o gume, o apice do bizel.

O polimento se realiza com uma progressao de abrasivos de grana media (800 a 1200G) a alta (2000 a 30000G). E aqui a controversia dispara, o numero de razoes pro e contra isso ou aquilo e'  algum multiplo do numero de praticantes de afiacao. Sim, porque claro que ha os que nao sao contra, nem a favor, muito antes pelo contrario...

E entao? Como se faz para sobreviver a esse vendaval?
So tem um jeito: pesquisando o que e' viavel e partindo para a pratica e experimentacao, para quem e' partidario de fazer as coisas por conta propria. Ou buscando alguem que possa introduzi-lo nessa selva com alguma orientacao, instrui-lo no caminho das pedras (Mil perdoes!, mas nao resisti.).
Talvez em algum forum? O Madeira!, por exemplo, esta `as ordens, hehe... (http://xilofilos.com/viewtopic.php?f=20&t=2762#p26014)

Abaixo, pensando ilustrar variedades e antagonismos, uma lista de uns poucos videos (ha centenas, milhares!) mostrando algumas variacoes, conforme a visao de diferentes — e reconhecidas — autoridades na coisa:
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E entao, para encerrar o papo comprido, e fosco, com puro exibicionismo, o resultado da minha afiacao da lamina da plaina:

Bizel concavo e microbizel polido ate 15000G. Esta cortando mais que navalha!

So para mostrar que polimento espelhado nao e' figura de retorica, hehe

E era isso, pedindo desculpas aos leitores pela estopada.

8 comentários:

  1. Lembrei-me de um episódio engraçado ocorrido durante a entrevista que T. Fidgen fez com D. Charlesworth. Em algum momento o Tom tinha em suas mãos a estimada 5 1/2 do David. Ao depositar a plaina sobre a bancada, o fez sem deixar o nariz sobre uma pequena cunha de madeira que impede o contato da lâmina com a superfície (obviamente que tal procedimento está no vídeo acima, hehe). David instantaneamente fez uma expressão do tipo "Ah não, assim não é devido...", pegou a plaina e levou até o seu local destinado, ou seja, nem vou colocar sobre a cunha, noto que este sujeito não é lá muito confiável, melhor guardar a minha plaina! hahaha. David é mestre com um estilo que para mim é uma inspiração. Seu ritmo me inspira, por sinal.

    Em reflexões pessoais durante toda essa discussão pensava eu: "Bom, tenho fortes influências de D. Charlesworth em minha afiação, inegável, mas acho que fugi de muitos preceitos e tenho algo próprio e consequentemente não aprovado e extremamente torto". Engano meu ao assistir esse vídeo que você compartilha, que inclusive é inédito para mim: não, definitivamente mais de 90% da minha afiação atual é D. Charlesworth. Fazia muito tempo que não assistia um vídeo dele afiando. Até a cunha para depósito da plaina é algo que tomei como um vício... Tenho uma ou duas cunhas espalhadas no local para cada plaina, nunca a plaina é depositada em um plano sem uma cunha, um toque praticamente, hehe.

    Muito interessante a pedra perfilada para lâminas levemente curvadas. O resto todo já é do meu cotidiano, hehe.
    Em tempo, um dos cafezinhos que planejei lá no site é justamente aquele macete do final para colocar no esquadro a lâmina.

    Mudando de prosa...
    O teu Jequitibá me parece bem mais avermelhado. Na verdade, o que tem passado por aqui é meio avermelhado, porém ao fazer a barba obtenho algo castanho ou mais para o branco. Pode ser também: o balanço do branco da tua câmera ou até mesmo a água que colocou na peça. Interessante.
    Senti falta de alguma observação com relação ao trabalho de aplainamento nas espécies, hehe. Quanto a dureza, jeitão das fitas, cheiro e etc.

    Por último, o exibicionismo apresentado é mais do que devido. Uma bela demonstração de resultado final em que o desbaste é feito através de rebolo. A primeira fotografia da lâmina ficou ótima. O trabalho no fio parece muito bom. Nada melhor do que quando comparamos o fio a uma navalha: excelente.

    []s
    Cosme

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    1. Achei interessante, em relacao `a minha postagem anterior sobre "Afiacao diferente", reparar como Mr. Charlesworth passou a ampliar bem mais tempo e numero de passadas no polimento da face plana da lamina ao final da afiacao, e sua observacao quanto a ter passado a dar mais atencao ao desgaste do gume no lado plano.

      Quanto a seus maneirismos, fleugma, estilo, aparentemente nao foste o unico a ser contag..., digo, inspirado. Se olhares os videos do David Barron (https://www.youtube.com/user/DavidBarronFurniture/videos), a semelhanca impressiona, eu acho.


      Quanto ao jequitiba, a cor e' mesmo bem avermelhada. Pelo que pude ver na Rede, de fato ha inumeras variedades: jequitiba-branco, rosa, vermelho, cravinho, e tal. Nao faco ideia qual a variedade da minha taboa. Quanto ao plainamento, nao e' duro; estava cortando com relativa profundidade, angulo de corte 37,5°, e obtendo fitas consistentes e cheias (https://c2.staticflickr.com/2/1503/23860506101_d09a15b710_o.jpg; repara a prancha de cedro-rosa como parametro de cor) mas, como a grana e' convoluta e frequentemente reversa, varias areas da superficie ficaram arrepiadas (https://c2.staticflickr.com/6/5731/23575136389_e64b438f11_o.jpg). Cheiro nao notei nenhum, mas meu olfato e' pessimo.

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    2. Na dúvida eu substitui a minha passada inicial na traseira em uma pedra 8000 para 1000. Aumentei o número de passadas também. Em tempo, não estou fazendo testes. De todo o modo procuro ver alguma relação com a mudança. A princípio nada de estável a ponto de comentar. A passada final fica como está: 8000 somente para remover a rebarba.

      Para falar a verdade conheci mais do trabalho do D. Barron após a sua parceria com o T. Fidgen. O cara é bom.
      Vou conferir depois os vídeos do teu link.

      Sim, vi isso também. Sabores distintos para o Jequitibá e levando a crer na existência de espécies que apresentam tonalidade mais avermelhada, de todo o modo não obtive conclusões óbvias através de pesquisas por imagem.
      Por aqui também não classifico como duro, mas é mediano. Muito bacana porque por exemplo vejo Cedro como muito frágil devido a maciez. Peroba é duro apesar de responder muito bem a todas ferramentas manuais. Jequitiba responde bem, aceita mais que Peroba mas não tem a fragilidade do Cedro.

      Hm, agora vi as imagens do links. As fitas "brancas" me lembram logo das minhas por aqui. A maioria fica mais para o marrom, mais tenho algumas levas de branco. Muito bom, lindo contraste o apresentado pela imagem. Não percebo cheiro no Jequitibá. Em tempo, essa coisa do cheiro é impressionante. Marcante mesmo. Agora me lembrei do "aroma do campo" (coisas da minha cabeça, claro) do Ipê Champagne.

      []s
      Cosme

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    3. So para registro, aquelas fitas brancas sao do marfim-rana...

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  2. Bom, chego a conclusão que estou longe do aceitável... kkkkk mas vamos aprendendo.
    Obrigado pela postagem

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    1. Quem determina o aceitavel es tu, Adenilson. :)
      E, na minha sempre desconsideravel opiniao, a melhor maneira de aprender e' experimentando. Errando e acertando...

      Muito grato pelo comentario, e usufruas desfrutaveis festas.

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  3. Ola Paulo, você falou sobre afiação, mas não disse o que você usa e como faz no seu caso pessoal. Poderia nos informar? Que método usa no desbaste (griding) e no polimento (honing)?

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    1. Ja contei sim, ricoveras, o que faco e como faco. Mas, resumindo: Tormek e pedras diamantadas.

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