segunda-feira, 13 de julho de 2015

Um pouco sobre pinus (e pinho)

Com o clima aqui no portinho simplesmente vetando qualquer ideia de fazer algo fora de casa, pensei aproveitar para expandir um pouco a resposta a um leitor que me indagou
  • (...) li que na sua postagem você faz referência ao "pinus norte-americano de carpintaria" . Você saberia dizer qual as diferenças desse pinus em relação ao nosso? Imagino que devem existir algumas em relação ao tratamento mais adequado, secagem etc. Mas, em relação às características básicas, dureza, resistência... será que existem muitas?



Pinus elliotti, nA Matriz

Pinus taeda, nA Matriz
Bom, para inicio de conversa, na America do Norte e no norte da Europa existe um sem-numero de especies de pinus, enquanto que aqui dispomos comercialmente de duas especies, o Pinus elliotti e o Pinus taeda. O "pinus norte-americano de carpintaria" a que me referi e' o que e' utilizado por la para preparar as tantas variedades de tamanhos padronizados para a industria de construcao (2x2, 2x4, 2x8, etc.), o que eles chamam SPF lumber — um lenho relativamente barato e obtido a partir de variadas especies de coniferas: pinheiros, abetos, ciprestes, etc.

Dentre essas tantas especies, as duas que "importamos" e naturalizamos originam-se do sudeste dA Matriz e pertencem ao grupo que por la denominam de southern yellow pine (pinus amarelo do sul). Ao contrario do mais comum pinus branco, a variedade amarela la esta entre as mais duras e mais resistentes; e' amplamente empregada na construcao civil, incluindo as montanhas russas feitas de madeira e, com o uso de stains, e' por vezes travestida inclusive para passar-se por madeiras mais nobres, como carvalho.

Alias, se formos consultar tres parametros — peso seco medio, dureza Janka e modulo de ruptura — em The Wood Database, veremos os seguintes valores:

P. elliotti (slash pine)
peso seco medio: 655 kg/m³
dureza Janka: 3.380 N
modulo de ruptura: 112,4 MPa

P. taeda (loblolly pine)
peso seco medio: 570 kg/m³
dureza Janka: 3.070 N
modulo de ruptura: 88,3 MPa

Se formos comparar com nosso pinho nativo, o pinheiro do Parana, veremos

Pinheiro do Parana (Araucaria angustifolia)
peso seco medio: 545 kg/m³
dureza Janka: 3.610 N
modulo de ruptura: 92,3 MPa


O que se traduziria em o lenho desses pinus na origem e' mais pesado do que nosso pinho, regulando na resistencia e algo abaixo na dureza. A experiencia, a observacao demonstra no entanto, os lenhos de pinus que produzimos aqui sao bem mais leves, muito, muito mais moles e muitissimo menos resistentes do que pinho.


Obviamente, a madeira de la nao se trata do mesmo lenho que obtemos aqui dos nossos pinus — ou alguem aqui seria voluntario para dar uma volta em uma montanha russa feita toda com o nosso pinus?

Araucaria angustifolia, o nosso pinho



Mas entao por que razao ou razoes a mesma exata especie vegetal que cresce no sudeste dA Matriz apresenta tao diferentes caracteristicas quando cresce aqui no sul/sudeste de pindorama?


Sem querer — ate porque nao seria capaz, se quisesse — entrar em detalhamentos tecnocientificos (coisas como traqueideos, lenho juvenil, lenho adulto, meristema, etc.), acho que da para resumir a opera afirmando que por razoes relacionadas a clima e a solo fundamentalmente, resulta essas especies de pinus tem melhores condicoes de desenvolvimento aqui do que em sua terra de origem, e entao crescem aqui mais rapido e mais intensamente do que la. Porem esse crescimento mais facil e mais rapido resulta em um lenho que contem menor teor de lignina, a macromolecula que, associada `a celulose, e' responsavel pela resistencia e rigidez dos tecidos vegetais.

Ou seja, por aqui os pinus "importados" se reproduzem e se desenvolvem melhor, mais facil e mais rapidamente. Nao por acaso pindorama e' hoje um dos maiores, talvez o maior exportador mundial de compensado de pinus. A madeira que produzem, no entanto, tem menor dureza e resistencia do que a produzida por suas irmas na regiao nativa, por ter menos necessidade de produzir lignina para enrijecer-se em defesa a piores condicoes ambientais. Em compensacao produzem maior quantidade de celulose e resina, derivados com importante participacao no bolo economico.

Ainda, se a madeira de pinus nao e', como certamente nao e', de primeira, por outro lado e' sustentavel, farta e barata. E acaba ajudando a evitar ou reduzir o consumo de lenhos mais nobres, muito deles ate mesmo ameacados de extincao.

E para encerrar, uma curiosidade, caso o leitor mais desavisado ainda considere o pinus uma arvorezinha vagabunda: Talvez valha apontar o genoma, o conjunto de gens que formam a heranca genetica de uma especie, do Pinus taeda e' o maior de todos os genomas ate hoje conhecidos, mais de sete vezes maior do que o humano! E uma arvorezinha vagabunda dessas deixada por conta propria... vive em media 200 anos — quase tres vezes a espectativa de vida media de certos mamiferos que se presumem superiores, hehehe...

13 comentários:

  1. Bela postagem, uma verdadeira aula!
    Valeu, Paulo!

    ResponderExcluir
  2. Clima digno de Seattle e aula no padrão da Caltech. Quem disse que não temos absolutamente nada em comum com A matriz ?

    ResponderExcluir
  3. Muito esclarecedor Paulo. Abraços!

    ResponderExcluir
  4. alto nível de informação neste post. Muito útil, obrigado!

    ResponderExcluir
  5. obrigado.
    um conteudo que traz valor relevante.

    parabens!

    ResponderExcluir
  6. Pessoas como você faz a diferença, pois trás a informação é o conhecimento, ajudando no crescimento intelectual. Parabéns Paulo.

    ResponderExcluir
  7. Que legal seu texto! Adorei.

    ResponderExcluir
  8. Exelente texto, muito esclarecedor. Parabéns 👏👏👏

    ResponderExcluir
  9. vou anexar estes estudos aos do pinho de riga. bem esclarecedor sob o pinho brasileiro

    ResponderExcluir
  10. Bom dia, meu nome é Sylvio vida, e por acaso conseguimos encontrar esse tipo de pinus de construção que você se refere aqui na região sudeste do Brasil ( de preferência no rio de janeiro) ?

    ResponderExcluir