Ha mais de ano,
como ate contei aqui, resolvi me presentear com uma
kanna, uma plaina de acabamento japonesa. Nenhuma queixa quanto ao desempenho, desde o primeiro dia, mas...
Lendo sobre a utilizacao dessas plainas, em inumeros sites, blogs e foruns constatei uma constante declaracao: os
dai — os corpos de madeira dessas plainas japonesas — necessitam ser 'afinados' pelo usuario regularmente. Isso porque madeira trabalha, se expande e dilata com as variacoes de umidade e temperatura, e isso pode se traduzir, como geralmente se traduz, em variacoes da geometria da sola. Como no entanto o desempenho da ferramenta estava perfeitamente dentro das minhas expectativas, e como sou adepto de que nao se mexe em time que esta ganhando, resolvi obviamente deixar a coisa quieta. Porem quando nessa semana que passou a minha plaina entrou no processo geral de afiacao de findiano — a proposito: FELIZ ANO NOVO! — e fui setar a lamina recem afiada, reparei uma nitida degradacao na performance da dita cuja.
-- oOo --
Eu sempre tive curiosidade em saber por que cargas d'agua os japoneses, com sua metalurgia milenarmente primorosa, utilizavam e utilizam praticamente apenas plainas de madeira, quando sabidamente madeira e' muito menos estavel do que metais.
A razao, pelo que li, e' bem simples. Os marceneiros e carpinteiros de la utilizam plainas continuadamente, para tudo no seu dia-a-dia, passam o dia todo na lide e carregando essas ferramentas de todos os tamanhos para la e para ca. E madeira e' bem, bem mais leve do que metais; plainas metalicas seriam fatigantes.
Adicionalmente, exatamente para reduzir o esforco de plainar, as solas dessas plainas sao condicionadas: faz-se um minimo rebaixo, uma infima concavidade na sola entre o nariz da plaina e a porcao imediatamente em frente ao gume, de tal forma que quando se esta utilizando a ferramenta apenas essas duas areas fazem contato, reduzindo assim consideravelmente o atrito no plainar. Ha inclusive plainas especialmente projetadas exatamente para produzir esse rebaixo, as
tachi-kanna.
|
Tachi-kanna |
Rebaixo esse que evidentemente eu nunca me atrevera a executar na minha.
-- oOo --
So que quando fui examinar a sola, depois de reparar na dificuldade de conseguir setar adequadamente a plaina para cortes muito rasos, aplicando uma regua pude constatar que a regiao entre o nariz e o gume, ao inves de estar levemente rebaixada apresentava era uma convexidade.
Fiquei, claro, sem escape e resolvi encarar a bronca. Nao dispondo de uma
tachi-kanna — que, consta, se aplica na transversal dos veios da sola — resolvi executar o tal rebaixamento com raspilhas, na longitudinal.
Como sempre gosto de me preparar para o pior cenario, tive uma surpresa agradabilissima: Foi facil, facilimo de fazer. Em poucos minutos, uma barbada.
Imagino possa ter ficado evidente nas fotos acima o espaco que sofreu o rebaixo, demarcado pelas linhas verdes. Um quase nada, fracao de milimetro. Mas o resultado...
Utilizando um martelinho adequado calibrei a profundidade do corte para tao raso quanto minha pouca paciencia permitiu, e empreguei uma sobra de cedro-rosa para os testes.
Rapaiz!
A plaina deslizou macia, as fitas sairam lindonas, consistentes, cheias e finissimas. E a superficie do cedro... Mas nem bunda de nenem!
Muito, muito melhor do que jamais eu tinha experimentado, sem a menor duvida.
Nao tenho certeza, claro, nem tenho uma plaina ocidental de madeira para testar, mas fica a impressao esse simples rebaixo pode muito bem ser aplicado nelas. Talvez com resultados semelhantes?
Fica a sugestao, para alguem bravo o bastante experimentar e depois, espero, nos contar...