quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Bancada de marceneiro - II (Roubo)

Cumprindo entao o ameacado em minha postagem anterior, uma analise em tracos rapidos das caracteristicas e especificacoes da bancada de marceneiro projetada por M. Andre Jacob Roubo no sec. XVIII.

- O tampo


A primeira coisa que constatamos ao observar o tampo como proposto por M. Roubo e' que e' feito de uma unica prancha de madeira solida e e' muito grosso (6 a 7 polegadas, a espessura recomendada). Esse 'monobloco' de madeira alem de uma superficie de trabalho plana oferece peso, inercia, firmeza, resistencia a pressoes, pancadas, etc. Estabilidade, enfim.

Entao reparamos que os cantos sao todos em esquadro, um perfeito paralelepipedo, referencia e guia para o mais fundamental dos angulos em marcenaria.

Uma bancada ha de oferecer modos e meios de sujeitar a peca sendo trabalhada, liberando as maos do marceneiro. Mais especificamente, ha de permitir se possa operar livre e confortavelmente em todas as superficies da madeira; faces, lados e topos. Para isso vemos, na seta verde uma morsa, nas setas amarelas um dos furos e um valete (ou valet, ou holdfast) e, na seta vermelha, o batente para plainagem.

Dimensionalmente, a especificacao e' o tampo seja tao longo quanto a mais longa peca a ser trabalhada (6 pes, a recomendacao) e nao tao largo que da frente o braco nao alcance o fundo (recomendado 2 pes).


- Os pes



Os grossos (4"x6") pes da bancada de M. Roubo sao fixos ao tampo atraves de encaixe em espiga e fura duplo, a porcao mais central retangular, a mais lateral ajustada em cauda-de-andorinha. Colada sem folgas, uma juncao extremamente rija (diz-se que em uma boa bancada nada e' peso-pena ou peso-medio, tudo e' peso-pesado!), mais uma vez visando maxima estabilidade.


Ha de se reparar os pes sao plainados rentes, nao fazem qualquer ressalto com o tampo, nem em cima, nem nas laterais, de forma que frente e fundos da bancada sao planos em esquadro com o tampo. Adicionalmente, tambem nos pes ha furos onde posicionar o valete oportunizando, com ou sem auxilio da morsa, prender-se pranchas de lado, permitindo operar com facilidade seus lados ou coloca-las em esquadro com outras pranchas postas no topo.


Na parte inferior os pes sao conectados entre si por travessas encaixadas em espiga e fura, coladas e reforcadas por cavilhas, no sentido de obter-se maxima rigidez na estrutura. A altura das travessas nao deve ser tao baixa que atrapalhe usar-se vassoura para limpar o chao abaixo da bancada, nem tao alta que nao permita colocar-se o pe sob a travessa como ponto de apoio para puxar o corpo. (Sim, seculo XVIII tambem e' ergonomia, hehe.)


- A Morsa 





Uma morsa e' empregada no pe esquerdo dianteiro (a premissa e' que, para plainar, nao ha canhotos, hehe).




Os aspectos mais chamativos aqui sao,

em primeiro lugar, que a morsa seja facilmente removivel, de forma a poder-se liberar sem obstrucoes todo o plano anterior da bancada, caso necessario, e

igualmente liberar-se o tampo, pois o outro aspecto chamativo e' o alto do mordente da morsa ultrapassa em alguns milimetros o plano do topo da bancada, de forma a se possa prender uma prancha sobre o topo, entre o mordente e um dog* colocado em um furo no tampo exatamente em frente ao mordente.




* - Perdao, mas nao consigo me lembrar da traducao em portugues para dog de bancada. Tao logo lembre, ou seja lembrado, hehe, retificarei.


- O Batente

 O batente para plainagem e' um caibro quadrado (4"x4") que se encaixa com absoluta justeza (so deve-se mover, para cima ou para baixo, a golpes de malho) em uma fura aberta rente `a esquerda do pe dianteiro esquerdo. O recuo da fura em relacao `a borda do tampo deve ser tal que um terco a metade do caibro fique encostado no pe.


No topo do caibro e' enfiada uma peca de ferro, como se ve na imagem, de tal forma que a ponta da peca que consiste em um serrilhado fique paralela e ultrapasse um pouco um bordo do caibro. Um rebaixo e' entao cortado no bordo direito da fura de forma que esse excesso serrilhado possa ficar abaixo do nivel do tampo, de forma que quando nao em uso o batente nao ofereca nenhuma obstrucao no topo.



Quando desejado usa-lo, umas batidas de malho elevam o conjunto peca metalica e caibro o quanto desejado acima do nivel do topo de modo que uma prancha a ser plainada possa ser firmada contra o serrilhado, de topo, e o ressalto da morsa, de lado.


- Regalitos


Adicionalmente ao basico mencionado, alguns apendices opcionais sao sugeridos por M. Roubo, e apontados pelas setas na imagem acima:

— atras, `a esquerda, um encaixe, uma fenda onde colocar formoes;

— embaixo, entre os pes, apoiadas nas travessas, algumas taboas formam uma prateleira (quanto mais pesada a bancada, mais estavel, entao ponha-se coisas pesadas la);

— `a direita, sob o tampo, uma gaveta;

— embaixo do tampo, invisivel deste angulo, um pequeno pote fixo ao tampo por parafuso rota para frente e expoe... sebo para lubrificar/conservar as ferramentas.




-- oOo --

OBS. — As imagens que 'chupei' para essa postagem foram editadas a partir de originais postadas no blog de Mr. Jameel Abraham, um dos proprietarios da fabrica Benchcrafted, nA Matriz. Quem quiser ver, os originais e outras belissimas imagens dessa belissima bancada que segue `a risca o projeto original de M. Roubo, e' so dar um clique aqui.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Bancada de marceneiro — I

(Clique nas imagens para ve-las ampliadas.)


Muitos marceneiros ocidentais a consideram o centro, a mais importante ferramenta de uma marcenaria. E para muitos de nos lidadores com madeira ter — ou, melhor ainda, construir — sua propria bancada de marceneiro e' (ou ja foi) um sonho dourado.

Uma pesquisa na Teia por "bancada de marceneiro" (ainda mais por "woodworking workbench") resultara em avassalador volume de informacoes e imagens. Ha incontaveis tipos, modelos, origens, autores, variantes, em praticamente qualquer tamanho, para atender qualquer demanda, todos os gostos. E vasta literatura... So que na minha sempre desconsideravel opiniao, justamente ahi residem dois dos principais problemas relacionados a bancadas de marceneiro.

Em primeiro lugar a disponibilidade de informacao e' tanta que fica dificil selecionar o que e' importante e o que e', digamos, perfumaria ou, pior, desinformacao. E entao, como a variedade e' tanta, ha essa predisposicao de se selecionar pelo gosto. So que, convenhamos, uma bancada e' uma ferramenta, e ferramenta se seleciona pela funcao, nao por agradar aos sentidos.

Considerando comecar por uma tentativa de por um pouco de ordem no galinheiro, uma primeira questao: para que serve exatamente, qual a funcao de uma bancada de marceneiro?

Obviamente, me explicariam pacientemente meus sete fieis leitores, a funcao primeira de uma bancada e' fornecer uma superficie de trabalho.
Verdade. Mas vejam...

Os marceneiros orientais, chineses, japoneses, coreanos, etc., afamadissimos pela qualidade da obra que produzem para nossa inveja, usam o proprio chao como superficie de trabalho como, espero, as imagens ao lado possam ilustrar. No entanto nos ocidentais ha seculos perdemos o habito de sentar, de fazer coisas no chao, tao logo ultrapassamos a infancia. O costume e' trabalharmos de pe, ou sentados em cadeiras altas — e assim elevamos nossas superficies de trabalho.

As primeiras bancadas de trabalho que se tem noticia foram as egipcias, feitas inicialmente de blocos de pedra, depois de pedras trabalhadas com alguns apoios para reter as pecas. E os romanos, tanto quanto eu saiba, foram os primeiros a utilizar bancadas de madeira para marcenaria.

Algo semelhante a reforcados bancos toscos; quatro pernas anguladas para estabilidade, um tampo rijo, resistente a pancadas e a 'ataques' das ferramentas, levando uns batentes onde apoiar as pecas sendo trabalhadas e uns pinos moveis enfiados em alguns furos para reduzir-lhes a mobilidade, esse estilo de bancada foi dominante nas civilizacoes ocidentais ate praticamente o Renascimento.

Mas por arcaicas que sejam, essas bancadas ja evidenciavam as principais funcoes para que servem essas ferramentas: alem de superficie forte e rigida o bastante para suportar os rigores da lida, oferecem modos de sujeitar em posicao as pecas para serem trabalhadas com melhor ergonomia, mais conforto e liberando ambas as maos.

O progresso nas ciencias e nas artes com o fim da Idade Media obviamente refletiu-se tambem na marcenaria, o mobiliario tornando-se progressivamente mais e mais incrementado, as ferramentas mais e mais especializadas. Incluindo, claro, as bancadas de marceneiro.

O Seculo XVIII e' por consideravel porcao dos especialistas e historiadores considerado o auge, o apogeu da marcenaria ocidental. E aquela bancada, aquele modelo que la no topo da pagina abre esta postagem, representa ainda hoje para muitos praticantes das artes com madeira, profissionais e amadores, o plus non ultra, o melhor do que jamais se fez em bancada de marceneiro.

Por que e o que a torna esse ideal, algo para ser visto em uma proxima postagem.
Aqui nesse batcanal...

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Manias

Mundo afora, entre muitos construtores de moveis em madeira macica existe uma ma vontade, um preconceito contra... parafusos. As razoes apresentadas variam; e' porque sao feios, desmerecem a estetica, 'machucam' a madeira, facilitam a entrada de umidade, e por ahi afora. (Pessoalmente, acho que a bronca e' porque fazer emendas com parafusos e' muito facil. Mas e' notorio o quanto e quao frequentemente eu me engano.)

O fato e' que Mr. Christopher Schwarz, um dos gurus da marcenaria em madeira macica com tecnicas manuais nA Matriz, recentemente desenvolveu um extensivo estudo sobre Moveis de Campanha — basicamente os moveis que o pessoal do Exercito Britanico levava em suas campanhas atraves do Imperio nos seculos passados — que acabou resultando, como e' usual nele, na edicao de um livro. Adicionalmente aos moveis que construiu para ilustrar o tomo, na edicao de junho passado da Popular Woodworking Magazine (onde foi editor e hoje e' articulista regular) ele publicou um artigo sobre a construcao da replica de um bau de campanha que encontrou em um antiquario e que nas emendas utiliza... Adivinharam! Parafusos.

So que, como pode ser visto na imagem ahi `a direita, a tecnica inclui um regalito.

Bom, para inicio de conversa, a maioria dos moveis de campanha acabam sendo caros. Afinal, alem de relativamente portateis, tinham tambem de ser muitissimo duraveis e resistir nao apenas a toda e qualquer condicao de clima no Imperio Onde o Sol Nunca Se Poe, mas igualmente resistir `as agruras inerentes `a rudeza do transporte militar. Por isso, e' comum encontrar nesse tipo de moveis nao apenas o uso de madeiras resistentes, como teca, carvalho, etc. — e portanto caras — como tambem uma quantidade consideravel de reforcos com ferragens. E ferragens inoxidaveis — e portanto caras.

No exemplo que Mr. Schwarz escolheu produzir, a madeira me parece carvalho, e as ferragens sao de latao. E o regalito aplicado nas emendas efetuadas com os parafusos, alegadamente para fins decorativos e' que, uma vez aparafusados, a cabeca dos parafusos e' limada ate que a fenda desapareca.

















A posicao dos parafusos e' devidamente marcada, com espacamentos regulares, feitos furo e contrafuro com profundidade tal que a fenda resulte inteira acima da linha da madeira.







As cabecas dos parafusos sao entao limadas ate quase rentes. Apos isso a coisa e' regularizada com uma lixadeira rotoorbital e, como a lixadeira sempre come mais a madeira do que o latao, por fim as cabecas dos parafusos sao novamente limadas para que nao haja qualquer ressalto.

E o resultado foi esse:


Como se ve, em moveis feitos para durar decadas, seculos, e que sejam submetidos a servico rude e cargas pesadas, maus tratos, que levem ferro em suma... Nao se pode usar parafusos! E, depois, ainda por cima sao feios.


Tsc, tsc, tsc...

Ironias a parte, e' incrivel o que ha de gente maniatica nesse vasto mundo...


domingo, 3 de agosto de 2014

Penso que acabou no quarto

Aproveitando o verao em agosto (o velho Pedro parece que simplesmente abandonou a casinha), esperando que nao provoque cobicas conclui, com design enxutissimo e construcao simplerrima o relogio para a 'oficina'.




Com isso dou os estudos por concluidos e encerro — acho eu — a minha fase relojoeira.